As considerações sobre a presença de Aristóteles na Ontologia contemporânea se limitaram àqueles pensadores que têm procurado reinterpretar o conjunto das doutrinas fundamentais de sua Metafísica. Não contempla questões parcializadas já que as comparações seriam intermináveis. Por exemplo, na fenomenologia, poderíamos mencionar as alusões a Edmund Husserl a lógica aristotélica em relação com sua ontologia formal. Ademais, se excluem aquelas referências de índole muito genérica que não alcançam arrojar o conjunto dos temas fundamentais. Constitui um exemplo, na filosofia analítica, a metafísica descriptiva de Strawson entre cujos propósitos se encontra o de retornar a pensar os conceitos de Aristóteles em termos contemporâneos porque “é improvável que existam verdades novas que possam ser descobertas” (1). Nem em um caso nem em outro diz algo com respeito aos problemas em que se há de insistir aqui. Por último, se omitem também aquelas posições que explicitamente reivindicam para si herança aristotélica em termos de uma finalidade estreita.
Estas limitações nos deixam com alguns poucos filósofos nos quais a aporética aristotélica é um elemento vivo e condicionante de seu pensamento. Em primeiro lugar, como culminante da filosofia moderna do mesmo modo que Aristóteles o é da antiga, é necessário ocupar-se de Hegel. A comparação se impõe porque converge em uma concepção teleológica do universo compartilhado não somente em seus termos gerais, senão em seu caráter específico de uma teleologia das formas em relação com uma escala da natureza. E esta teleologia comum permite introduzir, seja por via de censura ou de reelaboração, outros dois pensadores. O primeiro é Nicolai Hartmann que tem efectuado uma aguda crítica às concepções teleológicas considerando a Aristóteles como o patriarca desse pensamento, e o restante é Alfred N. Whitehead que ha intentado restabelecer uma visão teleológica do universo com expressas referências ao Motor Imóvel aristotélico e a ideia hegeliana. Assim como Hegel termina a Enciclopédia com a transcrição de um extenso fragmento do livro XII da Metafísica de Aristóteles, Whitehead cita nas últimas páginas de Processo e Realidade uma passagem desse mesmo livro, situado algumas linhas antes, para finalizar com um comentário que procura com algumas correções salvar o essencial no afirmado por Aristóteles. Enquanto Hegel colocando o texto ao final sem comentários, Whitehead se encontra compelido a dizer algo complementario que não empenha, contudo, que se feche sua filosofia em completar-se com a mesma alusão.
Eleger a Hartmann e a Whitehead é fazer eco a uma afirmação de H. Wein para quem ambos se encontram em um “esplêndido isolamento” em meio a remoção de problemas nos azares da filosofia contemporânea. Ademais, G. Martin finaliza seu exame das grandes teorias do ser com uma exposição das ideias de Hartmann, Whitehead e Heidegger (2). E antes dessa referência, importa fazer notar que Heidegger se contrapõe aos pensadores já mencionados que se mantém no âmbito do que ele há denominado ontoteologia e cuja origem se remonta a Aristóteles. Para todos eles o plano em que se desenvolve o pensamento aristotélico não permite um retrocesso em busca de algum suposto fundamento que de modo geral ou elementar alimentaria suas raízes – segundo a imagem cartesiana que Heidegger retoma e corrige. Nossas considerações têm lugar, pois, no horizonte da metafísica com respeito ao qual Heidegger quer dar um passo atrás, que o conduza a essência da metafísica (3). Sobre a validez da determinação heideggeriana da aporética aristotélica como ontoteologia retornaremos a modo de conclusão e com o proveito do que acerca dela pode ser derivado do pensamento de Hartmann e Whitehead.
§ I. Hegel: A Interpretação da Teleologia das Formas e o Pensamento do Pensamento
Se há assinalado que Hegel foi o primeiro filósofo situado no espírito do pensamento moderno que efetuou um estudo profundo e frutífero sobre Aristóteles (4). Ao ocupar-se dele em sua História da Filosofia, recorre aos termos mais elogiosos e critica a filosofia moderna que o há ignorado. Assinala que a filosofia de Aristóteles “contém os mais profundos conceitos especulativos” porque “a conhecido a especulação mais fundamental, o idealismo…” (5). Segundo Hegel, o estudo da história da filosofia é o estudo da filosofia mesma porque a sucessão histórica dos sistemas representa a sua maneira o desprender de diversas das derivações lógicas das determinações conceituais da Ideia. A esse respeito assinala Michelet que “não há nenhum princípio, nenhuma categoria, nenhum pensamento, enfim, nenhuma verdade na Metafísica de Aristóteles que não se conserve… na lógica de Hegel” (6). E é principalmente a doutrina da essencial onde se reiteram os conceitos básicos da metafísica aristotélica em um ordenamento que se ajusta em grande medida ao encadeamento original. Quando reitera que Hegel há desenvolvido a totalidade dos princípios estruturais do sistema aristotélico, G.R.G Mure insiste na Doutrina da Essência “não é menos e talvez mais crítica reconstrução que se tenha visto de Aristóteles do que a Metafísica de Descartes, Spinoza, Leibniz o Kant.” (7). Aparecem ali as noções de matéria e forma, potência e ato, e a interpretação de causalidade permite passar a Doutrina do Conceito em que a causalidade eficiente que antes predominava se subordina à causa final.
Matéria e forma são retomadas por seu nome como subcategorias da categoria de coisa que aparece mais próxima a ousia aristotélica que a determinação ulterior de substância se se tem em conta que esta não admite uma distinção entre caracteres essenciais e acidentais porquanto se reflita integralmente em seus acidentes de tal modo que todos eles são essenciais. A matéria é a relação consigo mesma ou ser interior da coisa enquanto que a forma é a relação com outro, a diferenciação com respeito a uma matéria indeterminada. Os dois momentos que definem a essência – a imediatez ou relação consigo mesma e a mediação ou relação com o outro – se apresentam respectivamente como matéria e forma. A matéria é o momento da indiferenciação e coincidência consigo mesma da essência, porém não subsiste sem a forma e é susceptível de qualquer determinação (8).
Em um primeiro momento, se somente se pode pensar como componente do par matéria-forma – como já o advertiu Aristóteles -, a matéria é indiferente à determinação daquilo que é substrato. Pode ter muitas formas que, por sua vez, podem cada uma aplicarem-se a distintas matérias. Em um segundo momento, contudo, matéria e forma se apresentam no pensamento de Hegel como conteúdo e forma. Não se trata já da unidade da matéria e a forma em geral, senão que estas determinações se conectam de tal modo que a matéria somente pode ter uma forma e a forma uma matéria. Esta concepção hegeliana do conteúdo nos remete a matéria próxima aristotélica, isto é, a matéria imediatamente inferior com respeito a uma forma dada. Não obstante, a matéria próxima é algo menos que o conteúdo.
Enquanto aquela não inclui a forma final – por exemplo, o mármore é a matéria próxima da estátua, enquanto tal é alheia a forma final – , o conteúdo hegeliano compreende a forma final porque ambas as determinações – conteúdo e forma – são a totalidade completa de tal modo que o que se encontra em uma está também na outra (9). Com a diferença indicada, a isto apontava Aristóteles quanto afirmou que “a matéria próxima e a figura são uma e a mesma coisa; uma em potência, a outra em ato” (10).
A análise da ousia em termos de matéria próxima e forma antecipa o exame através das noções de potência e ato: “…a matéria está em potência porque pode encaminhar-se a sua forma, e quando está em ato então está na forma” (11). A mesma conexão se encontra na análise hegeliana da possibilidade e da efetividade. O problema do conteúdo e a forma pré-anunciada – na relação essencial que implica entre o interior (o conteúdo) e o exterior (a forma) – a noção de efetividade como união explícita do interior e do exterior em que o momento da interioridade se distingue como possibilidade. Recordemos que a matéria hegeliana é uma indiferenciação que pode receber múltiplas determinações, isto é, a potência de múltiplas formas. Assim aparecem as noções hegelianas de possibilidade e efetividade como paralelo das aristotélicas noções de potência e ato (12).
Hegel distingue dois tipos de possibilidade: a possibilidade formal e a possibilidade real. A primeira se caracteriza pela mera ausência de contradições, e a segunda tem em conta as condições pelas quais algo pode ser efectivo. Este segundo conceito de possibilidade real é o que Hegel remete a potência aristotélica que é “capacidade, não a possibilidade indeterminada” (13). De igual modo que a potência aristotélica, a possibilidade real implica uma disposição e uma tendência a efetividade como o desprendimento que corresponde ao ato. Hegel as considera explicitamente na Doutrina das Essências, as noções de possibilidade e efetividade estão presentes desde o primeiro momento no desprendimento das determinações da Ideia por meio da oposição entre o ser-em-si como o ser implícito e o ser-para-si como ser articulado. E se reitera a prioridade aristotélica do ato com respeito à potência porque a Ideia como ato puro se põe a si mesma, negando-se a si mesma, na imediatez do ser-em-si. A potência é o resultado da autodeterminação da ideia, e não somente é posta senão também impulsionada pelo ato já que na razão de sua origem é muito mais que ela mesma. Em sua potencialidade está obrigada a negar-se a si mesma e ir mais além de si mesma. Hegel afirma que o ato é “a atividade (Tatigkeit), o efetivante (das Verwirklichende), a negatividade que se relaciona consigo mesma” (14).
A teoria aristotélica da causa eficiente aparece ao final da Doutrina da Essência na análise hegeliana da causa e efeito. Segundo Aristóteles, para que se realize o que está em potência, é necessário que a forma esteja já presente em um agente: “…tudo o que se gera chega a ser algo a partir de algo por algo que é idêntico enquanto a forma” (15). A esta identidade de conteúdo em virtude da preexistência da forma se refere Hegel quando analisa a causalidade: “O efeito não contém nada em absoluto que não contenha a causa. Inversamente, a causa não contém nada que não esteja em seu efeito.” (16). A mesma forma está na causa e no efeito, e, portanto, há uma identidade de conteúdo. Este se apresenta em um caso como efetividade poente e no outro como efetividade posta. Em termos aristotélicos, a efetividade que põe é aquilo em ato que permite a passagem do que está em potência ao ato ou efetividade posta.
Na medida em que a causa retorna a si mesma no efeito, estão implícitas neste processo uma perfeição e uma espontaneidade. A causa não apresenta somente um carácter eficiente senão que “promete chegar a ser algo como o que Aristóteles caracteriza como “entelequia”, a que tem em si mesma o fundamento e o fim do movimento” (17). Com ele se passa a um estágio superior da lógica caracterizado por uma teleologia manifesta: a Doutrina do Conceito explicita a identidade mediante a subordinação da causa eficiente a uma causa final que somente realiza o que já estava presente nela de antemão. Hegel distingue a “finalidade externa e finita” em que os meios e o fim podem existir um sem outro, e a “finalidade interior” – verdadeira forma da teleologia – em que meios e fim existem um em e para o outro de tal modo que em última instância são idênticos. E remete a esta verdadeira finalidade a Aristóteles cujo pensamento “se encontra por isso infinitamente mais além do conceito da teleologia moderna que somente teria em vista a finalidade finita, a finalidade exterior” (18). A finalidade interior atua por meio das forças mecânicas e químicas que refletem a causalidade eficiente, e as coloca a seu serviço convertendo-se desse modo enfim realidade. Esta expressão “realizado” (ausgefuhrt) é o equivalente do termo aristotélico para o acabado ou consumado, isto é, téleios (19).
Ao traçar paralelo entre os dois pensadores, N. Hartmann assinala que a afinidade entre eles é ainda mais notável em virtude da grande variedade que se observa nos tipos de teleologia (20). Destaca que Aristóteles considera todo processo de um modo teleológico e que detrás dos processos descobre uma teleologia das formas. As formações inferiores encontram sua consumação nas superiores em uma escala da natureza que, através de graus intermédios, culmina no pensamento do pensamento, isto é, o Primeiro Motor – escala superior de que como primeiro princípio depende todo o demais. Esta superposição de um modo inferior e um modo superior de conformidade a fins está no centro mesmo da filosofia de Hegel. Os processos naturais e espirituais orientados desse modo estão condicionados por uma teleologia das formas que se enlaça com o desprendimento dialético das categorias, isto é, a ascensão das determinações inferiores do pensamento as superiores em que a imperfeição daquelas se compensa nessas. Cada forma inferior têm a tendência a converter-se na superior para alcançar sua plenitude do mesmo modo que a gradação aristotélica do Primeiro Motor atrai para si toda a série de formas.
A teleologia hegeliana das formas se diferencia pela tese de que “a verdade é o todo” e a crença de que o princípio decisivo não é o grau superior da escala por si só, senão esse grau como culminação de toda a série ascendente (21). O Deus de Aristóteles é independente do mundo que aspira a ele, e o essencial do pensamento de Hegel pode interpretar-se – assinala Mure – como um intento de relacionar o Primeiro Motor como o absolutamente atual com o relativamente potencial mediante a inclusão no ato puro dos estágios que para o filósofo grego conduzem a esse princípio sem alcançá-lo. Hegel converte o pensamento do pensamento no fundamento da escala que lhe está subordinada no sentido de que essa atividade é a geração da série das formas (22).
Nas passagens da História da Filosofia em que se ocupa da caracterização aristotélica de Deus, Hegel diz: “Deus é a atividade pura (reine Tatigkeit), é o que é em e para si, não necessita de nada material: não há um idealismo mais elevado… O movimento principal na filosofia aristotélica é que o pensar e o pensado são uma unidade… O verdadeiro é a unidade do subjetivo e o objetivo e por onde nem um nem outro tanto como o um e o outro. Aristóteles se há absorvido por essas profundas formas especulativas (23). Esses textos mostram a estreita relação da filosofia hegeliana com a noção aristotélica de ato puro. Assim como o Motor Imóvel é o pensamento do pensamento, a Ideia absoluta de Hegel é o pensamento que se tem tão somente a si mesmo como objeto. Não recebe algo de fora senão que se exterioriza como seu próprio objeto em que se contempla a si mesmo. A idéia absoluta é em si mesma o objeto do pensar, a atividade do pensar e o objeto do pensar, e neste movimento que a caracteriza como Ideia em si se encontra implícito o desprendimento pelo qual se opõe a si mesmo na natureza e retorna a si mesmo no espírito como Ideia em e para si (24). Se separa e reconcilia-se consigo mesma a fim de que o outro com respeito a ele esteja compreendido dentro dela e não afete sua perfeição infinita.
Recordemos que a finitude é a determinação por outro, a má infinitude é a série ilimitada das coisas finitas que se determinam umas a outras e se sucedem indefinidamente sem escapar a finitude, e a verdadeira infinitude é a auto-determinação. Desde o ponto de vista de Hegel, o Deus de Aristóteles é finito porque, por ser totalmente transcendente, está limitado por um outro exterior. O Primeiro Motor é algo particular que ocupa seu lugar entre outras coisas particulares, e desse modo, por eminente que seja, não pode escapar à finitude. Em consequência, se bem chega a concepção da unidade do subjetivo e o objetivo e por isso conhece a mais profunda das especulações – isto é, o idealismo -, Aristóteles não desenvolveu esta concepção de um modo verdadeiramente concreto desprendendo o particular a partir desse Absoluto: “O defeito da filosofia de Aristóteles reside, pois, em que uma vez que por meio da pluralidade dos fenômenos se eleva ao conceito, este se desintegra em uma série de conceitos determinados, e não se faz valer a unidade, o conceito que os unificava de modo absoluto.”(25).
§ II. Hartmann: Negação da Teleologia através da Crítica da Potência como Disposição e o Ato como Perfeição.
Hartmann critica a concepção teleológica e suas consequências teístas, pois julga que o importante em Aristóteles não é o sistema senão a aporética que ainda conserva sua vigência. (26). Estima que o problema ontológico tenha sido adequadamente formulado como a questão do ente enquanto ente, e que o erro consiste em haver passado com demasiada rapidez as questões parciais como a ousia, a forma, etc. O ente enquanto ente deve explicitar-se previamente mediante um esquema ôntico fundamental que resulta do entrecruzamento da relação conjuntiva dos momentos do ser (os tradicionais existência e essência) e da relação disjuntiva das maneiras de ser (a idealidade e a realidade). Desse modo se definem quatro âmbitos configurados por uma essência ideal e uma existência ideal em relação conjuntiva, e uma essência real e uma existência real também em relação conjuntiva, e uma essência real e uma existência real também em relação entre si, porém em relação disjuntiva com o par anterior. E assim como Platão introduziu incorretamente a essência real na idealidade de tal modo que na realidade somente a existência e a essência se identifica com a idealidade, Aristóteles em uma redução inversa é igualmente errônea incorporou a idealidade a essência real e não considerou necessário admitir uma esfera do ser ideal (27).
Toda a estrutura da ontologia de Hartmann, e, por conseguinte, suas considerações a aporética aristotélica, estão determinadas por este esquema de quatro âmbitos sobre cuja base é possível levar a cabo uma análise categorial já sendo modal ou constitutivo. As categorias modais correspondem a existência ou ser-aí (Dasein): são alheias ao conteúdo e se referem a maneira de ser, isto é, a natureza do ser real e o ser ideal. As categorias constitutivas, em contrapartida, têm que ver com a essência ou o ser-assim (sosein): contemplam as determinações do ente, isto é, as diferenças de conteúdo. As noções aristotélicas de potência e ato se tratam entre as categorias modais, e as de matéria e forma, as quatro causas e a escala da natureza são temas da análise categorial constitutiva.
Hartmann, assinala que os começos da teoria da modalidade se encontram nas noções de potência e ato com as que se relacionam em parte seus conceitos de possibilidade e efetividade. Para compreender sua posição frente a Aristóteles se deve ter em conta ante tudo que, por um lado, critica o conceito de potência reivindicando a ideia megárica da possibilidade mediante sua lei real da possibilidade, e que, por outro, aceita a tese aristotélica da prioridade do ato com respeito a potência mediante sua lei modal fundamental.
Aristóteles havia se oposto à concepção megárica segundo a qual “algo somente têm potência quando exerce uma ação, e não a têm quando não exerce ação alguma” (28). Hartmann retoma a posição criticada enunciando uma lei real da possibilidade segundo a qual um ente somente é realmente possível quando suas condições são cumpridas em sua totalidade. Portanto, o que é realmente possível é, por sua vez, realmente efetivo. A possibilidade real nem é disjuntiva nem desaparece quando algo chega a ser efetivo. Desde esse ponto de vista, a potência aristotélica é uma possibilidade parcial não real que aceita a alternativa aberta da efetividade e a não efetividade.
Aristóteles define o movimento como a passagem da potência ao ato em que uma forma já está pressuposta de antemão como causa final. Para Hartmann, em contrapartida, o processo não é a atualização de uma disposição preexistente, isto é, a realização teleológica de algo previamente traçado senão progressiva possibilitação real de algo ao mesmo tempo que sua efetivação real. Isto implica uma identidade entre a possibilidade e a efetividade reais a diferença da potência e o ato que se restabelecem ou substituem-se excluindo-se mutuamente. Ou seja, o processo se dirige para algo que somente é conhecido pelo resultado, e portanto, não têm que completar-se de uma maneira predeterminada. Em cada estado manifesta algo efetivo junto com algo ainda não efetivo que se aproxima, e somente depois de terminado se sabe em qual das múltiplas possibilidade parciais está compreendida na possibilidade real total, e, portanto, qual é a efetividade real que se alcança (29).
A potência e o ato não são princípios puramente modais senão “os pólos de uma relação de sentido e de finalidade posta na base de todo devir” (30). A potência não é a possibilidade real porque é o estado de disposição que se encontra orientado teleologicamente para o estado de efetuação de algo que está já pre-delineado como meta. E, por sua vez, o ato não é a efetividade de algo senão sua perfeição porque é a realização de uma forma que está dada de antemão como fim. Portanto, o fragmentário e incompleto que não exibe uma forma não é algo efetivo. A tal respeito, Hartmann assinala que o princípio hegeliano de que somente o racional é efetivo e somente o efetivo é racional tem sua origem na concepção aristotélica de que o efectivo é o que se ajusta a uma forma. Porém os estados de transição entre a potência e o ato são também algo efetivo, e isto implica um conceito ateleológico da efetividade. Com o objetivo de não desprender esta consequência, Aristóteles alude ao movimento como um ato imperfeito, isto é, como a realização do que está em potência na medida em que está em potência. Porém Hartmann julga que tal transferência do ato a um ente em potência conduz a uma contradição porque implica o ser acabado de algo inacabado justamente enquanto é inacabado, portanto, a efetividade deve examinar-se com independência da teleologia (31).
Não obstante, se se prescinde da construção teleológica, os conceitos de potência e ato se assemelham aos modos puros da possibilidade e da efetividade. E assim como Aristóteles afirma que o ato é anterior a potência, Hartmann enuncia sua lei modal fundamentalmente segundo a qual toda possibilidade está referida retroativamente a uma efetividade. Ou em outros termos mais gerais em que Hartmann apresenta a questão, necessidade, possibilidade e impossibilidade não são modos que descansam em si mesmos senão modos relacionados que somente aparecem em relações de dependência com respeito a algo de sustentação que é a efetividade (32).
Se a possibilidade real não é um estar aberto de maneira indeterminada, não poderia coincidir com ela a matéria com sua indeterminação com respeito a uma forma específica de determinação. Assim, ambas as noções – matéria e possibilidade real – se separam. E com a oposição matéria-forma se ingressa no âmbito das categorias constitutivas que se ocupam do conteúdo e de compreender em primeiro lugar certas oposições entre as quais se encontram, ademais da que se acaba de mencionar, a oposição determinação-dependência que introduz o problema da causalidade (33). Entre os tipos de determinação real se encontram a causalidade eficiente no ser físico e no nexo final no ser espiritual. Como entende que somente pode haver uma causa final onde existe uma coincidência que se propõe o fim e elige os meios, hartmann crítica a concepção que se estende “desde Aristóteles até Hegel” (34) segundo a qual a relação de meio afim se encontra detrás da relação de causa e efeito como uma conexão inversa tanto desde o ponto de vista temporal como com respeito a determinação.
Hartmann considera que a imposição de uma teleologia aos processos reais em sua totalidade implica uma transgressão de limites “para baixo” porque estende uma determinação do estrato espiritual aos níveis psicológico, biológico e inorgânico. Segundo suas leis da estratificação – algumas das leis categoriais que seguem as oposições no conjunto das categorias constitutivas -, certas categorias dos estratos inferiores retornam aos superiores sem que se apresente a situação inversa. E segundo as leis da dependência, a força das categorias é maior no estrato inferior de modo que tudo está condicionado desde baixo. Se rompem essas leis categoriais quando se sustem que uma causa final, que participa da natureza do espiritual, está presente já nas formas inferiores do ser (35). Tal é a posição da filosofia do organismo.
§ III. Whitehead: Restabelecimento da Teleologia através das metas subjetivas e o Princípio de Concreção.
É fundamental na metafísica de Whitehead a distinção entre entidade atual e forma ou objeto eterno. Estas entidades básicas ocupam o lugar da ousia e a forma aristotélicas (36). As entidades atuais são os elementos reais últimos de que se compõe o universo. São atos de experiência que se caracterizam pelo modo em que sentem ou prendem outros centros de experiência. Toda entidade atual é uma “concrescência” ou crescimento conjunto desses sentires ou prehensões (preensões, o que seguiremos no restante do texto) de outras entidades atuais, e pode ser pensada como algo análogo a nossa experiência porque é um sentir seu entorno e racionar a ele. Ou seja: o conhecimento como apreensão de um objeto por um sujeito é um caso particular de uma atividade de preensão que está presente em todo o real.
Os objetos eternos são formas de determinação que se reiteram em diversas entidades atuais. Por meio delas se explicam o devir, e Whitehead recorda que “para Aristóteles o processo do mundo atual tem sido concebido como um ingresso real de formas na potencialidade real, o que conduz a essa conjunção real que é uma coisa atual” (37). As formas somente existem como componentes das entidades atuais. Não são reduzíveis a elas, porém tampouco podem desprenderem-se delas. As preensões físicas das entidades atuais constituem sempre a base ou os dados necessários para as preensões conceituais dos objetos eternos. Assim, quando examina a relação entre entidades atuais e formais, Whitehead enuncia o princípio ontológico, isto é, “o princípio aristotélico geral de que, a parte das coisas que são atuais, não há nada – nada de fato ou eficácia” (38).
Whitehead rechaça a identificação da forma com o ato. Está de acordo com Aristóteles em não atribuir a atualidade à matéria. Porém no lugar de relacionar o ato com a forma, elimina a matéria e põe em seu lugar a criatividade como a atividade que se manifesta no processo pelo qual o múltiplo se converte no uno em uma concrescência ou o uno se converte no múltiplo ao servir de dado para concrescentes ulteriores. De igual modo, a matéria, a criatividade (aqui atividade de criação) não pode ser por si mesma a fonte de determinação das entidades atuais e, portanto, exige o reconhecimento das formas ou objetos eternos. Se assemelha a matéria primordial aristotélica por quanto é indeterminada: “A criatividade carece de caráter próprio” (39). Pois a criatividade implica uma decisão entre possíveis formas de determinação, e por isso não têm o caráter passivo da matéria que necessita do ato para que se realize o que é em potência. Em suma: a entidade atual como análogo da ousia tem dois componentes que não são a matéria e a forma senão a criatividade – equivalente do ato – e a forma. Whitehead abandona em todos os casos o que Aristóteles somente rechaça no caso da ousia divina (40).
O ato implica enquanto criatividade uma decisão em meio da potencialidade constituída pelas entidades atuais já contempladas, que têm perecido, com suas respectivas formas de determinação. Tal decisão estabelece as preensões positivas de dados antecedentes – isto é, o que se há de incorporar à concrescência -, e responde sempre a uma meta subjetiva. Não pode haver nenhuma atividade se uma meta não está presente como causa final desde o começo do devir interno no qual a entidade atual chega a si mesma. E o processo de transição de uma entidade atual a outra é o veículo da causa eficiente representada pelos dados objetivados em função da guia oferecida pela meta subjetiva. Toda entidade atual é autônoma no sentido de que é responsável pela seleção das diversas preensões que se reúnem na concrescência. (41). Dessa maneira, seguindo a tradição aristotélica – hegeliana, Whitehead assina um papel central nos processos teleológicos. Com respeito a Aristóteles, afirma: “Sua filosofia chegou a uma desmedida ênfase na noção de causas finais durante a Idade Média cristã; e logo, por uma reação, a correlativa acentuação da noção de “causas eficientes” durante o período científico moderno. A tarefa de uma sã metafísica é mostrar as causas finais e eficientes em uma adequada relação umas com as outras (42).
A meta subjetiva ou causa final da concrescência é uma preensão conceitual das formas que se hão de realizar nesse processo interior. De acordo com o princípio ontológico, deve derivar de uma entidade atual: as preensões físicas antecedem sempre as preensões conceituais. Porém nenhuma entidade atual pode proporcionar sua própria meta porque não existe com anterioridade a esta. E a causa final tampouco pode proceder das entidades atuais temporais antecedentes porque elas constituem um conjunto de possíveis dados e é necessário um critério em termos do qual pode efetuar-se em uma decisão em meio da potencialidade e pluralidade de alternativas. O problema é análogo ao que enfrentou Aristóteles na relação com o movimento, e a solução é também similar.
Como explicação última do movimento, Aristóteles recorre ao Primeiro Motor que, enquanto ato puro, se move como uma causa final inamovível ao que tudo aspira como a um objeto do desejo. Paralelamente, Whitehead têm que dar conta do processo. Posto que a entidade atual emergente e as entidades atuais do universo passado não podem oferecer uma meta subjetiva, se deve admitir uma entidade atual intemporal como fonte dela: “Nesse sentido, Deus é o princípio da concreção; ou seja, Ele é a entidade atual da qual cada concrescência temporal recebe essa meta inicial, e a partir dela se inicia sua auto causação” (43). O princípio da meta subjetiva é estabelecido por Deus a fim de iniciar o processo desde uma situação ambígua para uma entidade atual plenamente determinada. Na natureza primordial de Deus que consiste na preensão do conjunto dos objetos eternos se organiza e evalua esta totalidade segundo graus de importância para cada entidade atual de modo que as formas possam compor em cada caso a meta inicial. Não se trata de uma determinação exaustiva, senão que de um condicionamento inicial que não afeta a auto-causação das entidades atuais. Deus opera no universo por persuasão na base da atração dos fins que proporciona as entidades atuais na medida em que surgem na existência. Isto significa que se constitui como “o objeto do desejo” inicial que estabelece a fase inicial de cada meta subjetiva” (44). Whitehead evoca a passagem do livro XII da Metafísica em que Aristóteles afirma que “há algo que move sem ser movido, algo eterno que é a sua vez, ousia e ato. O objeto do desejo e o objeto do pensamento… movem sem ser movidos” (45). Em suma, através das metas subjetivas, o Princípio de concreção move o universo como causa final de igual modo ao Primeiro Motor de Aristóteles.
Porém é preciso assinalar também as diferenças, porque nelas se adverte uma coincidência com Hegel. Enquanto o Motor Imovel não recebe nenhuma ação do universo, Whitehead discerne junto com a natureza primordial de Deus – transcendente e imutável em sua preensão dos objetos eternos – uma natureza consequente que consiste na preensão das entidades atuais temporais que surgem no mundo. Assim como a natureza primordial se assemelha a Ideia em si enquanto sistema de determinação do que depende o mundo criado, a natureza consequente – ou, de melhor modo, Deus concebido concretamente com ela – é o paralelo da Ideia em e para si porque recolhe todo o desprendimento da natureza e o espírito que resulta da exteriorização da natureza primordial através da especificação de metas para as entidades atuais (46). Não obstante essas observações que reiteram o intento hegeliano de salvar a separação do ato puro, Whitehead estima que as considerações aristotélicas sobre o Primeiro Motor constituem com algumas correções uma apresentação satisfatória da natureza primordial de Deus em sua relação com as entidades ordinárias: “Se pode duvidar de que uma metafísica adequadamente geral possa alguma vez… chegar muito mais distante que Aristóteles” (47).
§ IV. Conclusão: validez do conceito de onto-teologia.
O esquema seguido há tido como fio condutor a visão teleológica de Aristóteles e Hegel. O pensamento de Aristóteles constitui a primeira expressão acabada do que Heidegger há denominada onto-teologia, isto é, a determinação da metafísica, por um lado, como ontologia, com o estudo do ente enquanto ente, e, por outro lado, como teologia como o estudo do ente supremo (48). E no pensamento de Hegel se manifestam assim mesmo esses dois aspectos.
Porém não sucede o mesmo na ontologia de Hartmann que é alheia a noção de um ente supremo. Não aparece nele Deus nem sequer outro tipo de ente supremo. As leis categoriais que definem as relações entre os estratos do real excluem a possibilidade de um ente supremo ao estabelecer um equilíbrio entre todos os níveis pelo qual nenhum pode ser reduzido a outro. E se se pensa que o ente supremo é o que se caracteriza pela efetividade – em um intento de manter o esquema onto-teológico -, isto não faz mais que converter a questão do ente enquanto ente na do efetivo enquanto efetivo e então se têm que perguntar por uma efetividade suprema que também está ausente. Ademais, se deve observar que a efetividade não é uma determinação constitutiva do ente, senão um tipo de modalidade, e que nas figuras que Heidegger considera com o caráter de entes supremos se distinguem por notas de índole constitutiva.
Por outro lado, Heidegger rechaça o Deus da metafísica que termina por ser concebido como uma causa sui a qual não se pode direcionar nem rezas e nem reverências, e enlaça esta objeção com as palavras de São Paulo dirigidas contra a sabedoria do mundo (49). Porém a crítica deveria reconsiderar-se em vista de uma concepção para a qual toda entidade, já seja Deus ou a mais simples ocasião de experiência, é causa sui. Esta generalização corre paralela com um contexto que transforma o problema de um modo decisivo. Deus como causa sui não é a culminação distante de uma série de causas, impassível ante o destino humano, senão um partícipe direto em cada ocasião de experiência. Todas as entidades se preendem entre elas de tal modo que ainda Deus é enriquecido pelas experiências das criaturas, e não é compreensível de si porque se hão de excluir as que Heidegger questiona. Deus as recebe em sua natureza consequente com “uma ternura que não perde nada que possa ser salvado” com as metas iniciais que sua natureza primordial proporciona, as atrai como “o poeta do mundo, que, com terna paciência, o guia por meio de sua visão da verdade, a beleza e o bem” (50). Não resultam em claras as razões pelas quais esta concepção de Deus como causa sui tenha que estar conflitada com a de um “Deus divido”.
Segundo Whitehead, não se pode avançar muito além de Aristóteles desde o ponto de vista de uma metafísica que se ocupa do caráter geral do universo, e para um maior conhecimento de Deus se deve recorrer ao âmbito das experiências com “uma interpretação da experiência religiosa da humanidade” (51). Ademais, e é o que importa, esta experiência necessita de um fundamento metafísico a fim de não obscurecer ante a intensidade das emoções que produz. Há uma metafísica fundada na experiência geral – que conduz inevitavelmente a um Deus análogo ao Primeiro Motor de Aristóteles -, e ulteriores noções que se originam na experiência religiosa e permitem alcançar conhecimentos mais definidos.
Porém essas noções podem prescindir daquele “primeiro passo” para não desvanecer se. O enfoque difere, pois, do de Heidegger: um Deus de inspiração aristotélica não se contrapõe ao Deus da religião, senão que é exigido por este para consolidar-se. É sugestivo nesse caso que Whitehead evoca São João em lugar de São Paulo (52).
Há uma ontologia sem ente supremo (Hartmann), e uma teologia cujo Deus não se ajusta às características que Heidegger assinala a Deus da metafísica (Whitehead). Essa dupla situação põe de relevo que o pensamento que pode desenvolver-se sobre a base da aporética de Aristóteles, mas além dos limites de seu sistema, não se esgota no marco descrito por Heidegger como ontoteologia. Este pensador não somente prejudica o sistema ao estabelecer o caráter derivado de seus conceitos fundamentais senão que limita as possibilidades da aporética al encerrá-la em um marco que – se bem é válido para caracterizar o sistema – resulta demasiado estreito para abarcar todas as ontologias de inspiração aristotélicas. A fecundidade da aporética não consiste em esgotar-se nessa interpretação da metafísica como ontoteologia. E se esta é uma abstração que não pode dar conta do que deveria estar incluído nela, haveria que indagar se não fica comprometida a concepção do caráter derivado da metafísica, precisamente enquanto ontoteologia, com respeito a um fundamento esquecido. Se o supostamente fundado não põe os caracteres que se lhe atribuem, se deve questionar sua condição para tal E se há de perguntar também se não se deve abandonar a concepção de uma história do ser que depende dessa situação, porque representa o desenvolvimento da ontoteologia. Ante uma resposta afirmativa, e seu exame é algo que deverá ficar para outra oportunidade, o que se impõe não é a destruição dos conceitos da metafísica clássica, ao modo de Heidegger – por reverente que que seja esta destruição – senão uma metafísica “neo-clássica” – impressão whiteheadana – fundada na possibilidade de retornar a considerar no estilo de Hegel e de Whitehead os mesmos problemas enunciados por Aristóteles.
Referências Bibliográficas e Notas:
(*) Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas. Universidade de Buenos Aires.
P.F. Strawson, Individuals. An Essay in Descriptive Metaphysics, London, Methuen, 1964, p. 10.
Cf. H. Wein, “ In Defense of the Humanism of Science: Kant and Whitehead”, en Ivor Leclerc (comp.), The Relevance of Whitehead, London, Allen & Unwin, 1961, p. 293; y G. Martin, Allgemeine Metaphysik. Berlin, W. De Gruyter, 1966, cap. 1.
Cf. M. Heidegger, Identität und Differenz, Pfullingen, G. Neske, 1957, pp. 41, 64-65.
Cf. G..R.G. Mure, An Introduction to Hegel, London, Oxford University Press, 1948, p. 51.
G.W.F. Hegel, Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie, II, Sämtliche Werke (Jubiläumsausgabe), XVIII, Stuttgart, Frommann, 1959, pp. 298-99. Hegel afirma que “”nenhum filósofo há padecido tanta injustiça por parte de tradições completamente órfãos de pensamento que se hão mantido à margem de sua filosofia e ainda estão na ordem do dia apesar de haver sido ao largo dos séculos o maestro de todos os filósofos”, p. 299. Talvez o maior elogio seja o seguinte: “Se se toma a sério a filosofia, não há nada mais digno que dar cursos sobre Aristóteles”, p. 314. Adiante se cita: Vorlesungen.
K. L. Michelet, Exame Crítico da Metafísica de Aristóteles, Buenos Aires, Imán, 1946, p. 347.
G.R.G. Mure, A Study of Hegel’s Logic, London, Oxford university Press, 1967, p. 149.
Cf. G.W.G. Hegel, Enzyklopädie der philosophischen wissenschaften im Grundrisse, Hamburg, F. Meiner, 1959, p. 133-No.129. Hegel descreve o modo em que se chega a concepção da matéria indeterminada de um modo muito similar a Aristóteles: “Se se faz abstração de todas as determinações, de toda forma de algo fica então a matéria indeterminada. A matéria é algo pura e simplesmente abstrata. (não é possível ver, tocar, etc., a matéria – o que se vê ou se toca é uma determinada matéria, isto é, uma união da matéria e da forma-.) G.W.F. Hegel, Wissenschaft der Logik. Zweiter Teil, Hamburg, F. Meiner, 1963, p 70 c. A passagem aristotélica correspondente diz: “… se se elimina tudo o demais, não fica evidentemente nada mais que a matéria… Por matéria entendo o que por si mesmo não é algo nem uma certa quantidade nem alguma das outras categorias pelas quais o ente é definido”. Metafísica, VII, III, 1029 a 12-22. A relação é destacada por Peter Rochs, Form und Grund, Hegel-Studien, Beiheft 6, Bonn, Bouvier, 1961, pp. 158-59.
Cf. G.R.G, Mure, A Study of Hegel’s Logic, P. 117.
Metafísica, VIII, vi, 1045 b 18-20.
Metafísica IX, viii, 1050 a 15-17. Cf. G.R.G. Mure, An Introduction to Hegel, p. 6.
“Não há chave mais precisa para o pensamento ao longo das categorias da Wirklichkeit do que a doutrina aristotélica da dynamis e a enérgeia consideradas como a caracterização mais concreta de matéria e forma”. G.R.G. Mure, An Study of Hegel’s Logic, p. 138.
G.W.F. Hegel, Vorlesungen, p. 321. “Com respeito ao desprendimento como tal deve distinguir-se duas coisas, por assim dizer dois estados: a disposição, a capacidade, o ser-em-si (potentia, dynamis) e o ser -para-si, a efetividade (actus, enérgeia) A possibilidade é “o gérmen, a disposição, a capacidade, o que Aristóteles chama, dynamis, i.e, a possibilidade superficial em geral)….” G.W.F. Hegel. Einleitung in die Geschichte der Philosophie, Hamburg F. Meiner, 1959, pp. 101-102.
G.W.F. Hegel, Vorlesungen, p. 321.
Metafísica, IX, viii, 1049 b 28-30.
G.W.F. Hegel, wissenschaft der Logik, 11, p. 190c.
Bernhard Lakebrink, Die europáische Idee der Freiheit l. Teil: Hegels Logik und die Tradition der Selbstbestimmung, Leiden, E. J. Brill, 1968, p. 353.
G.W.F. Hegel, Encyclopédie, p. 178. (No. 204.)
Cf. Metafísica, V, xvi, 1021b 23-25; e G.R.G Mure, A Study of Hegel’s Logic, p. 258. Hegel assinala que a enteléquia “é em si mesma fim e realização do fim”, e que é “a mesma determinação conceitual da enérgeia, porém na medida em que ela é livre atividade, e tem fim dentro de si mesma, o a põe ela mesma e é ativa a fim de pôr-se”. G.W.G. Hegel, Vorlesungen, pp. 321-325.
Cf. N. Hartmann, “Aristóteles und Hegel”, Kleine Schriften, II, Berlin, W. de Gruyter, 1957, p. 247. Cf. p. 430 ss.
Cf. N. Hartmann, Teleologisches Denken, Berlin, W. de Gruyter, 1951, p. 43. /Trad. casto de J. Gaos, Ontología IV. Filosofía de la naturaleza V. El pensar teleológico, México, F.C.E., 1964, p. 277./
Cf. G.R.G. Mure, An Introduction to Hegel, pp. 52-53; e “Foreword” em Frederick Gustav Weiss, Hegel’s Critique Of Aristotle’s Philosophy of Mind, The Hague, M. Nijhoff, 1969, pp. xvii-xviii. É interessante a observação de P. Aubenque sobre a síntese que Hegel efetua, em sua exposição de Aristóteles, entre as características do Motor Imovil e o primeiro céu a fim de atribuir a Deus um movimento circular – imagem da verdadeira infinitude e autodeterminação que caracteriza a Ideia absoluta -. Aristóteles efetua em primeiro lugar uma separação entre o Motor Imovil e o mundo celeste que está em movimento contínuo e circular, e o segundo lugar um corte entre o mundo celeste e o mundo sublunar que está em movimento descontínuo e desordenado. Hegel faz converter o que está a cada lado da primeira separação, isto é, atribui ao Motor Imovel o movimento do primeiro céu. Enquanto que Aristóteles caracteriza o ato divino como “ato de imobilidade”. Ética a Nicômaco, VII, xiv, 1154 b 27. – porque o movimento é um ato inacabado e está excluído do Primeiro Motor que é ato puro-, Hegel sustenta a identidade do ato divino e o movimento interpretando como automovimento ou movimento circular a imobilidade do Primeiro Motor. Cf. P. Aubenque, Hegel et Aristote, en J. D’Hondt (comp.), Hegel et la pensée grecque, París, PUF, 1974, pp. 103-108.
G.W.F. Hegel, Vorlesungen, pp. 326, 330-31. “Com isso, Hegel parece adotar sem alterações a teologia aristotélica, na qual se examina o pensamento que Deus tem de si mesmo, como sua própria filosofia, em especial a teoria da Ideia. No entanto, se adverte que “interpreta a teoria aristotélica do pensamento que se pensa a si mesmo a partir dos empreendimentos da teoria da subjetividade”. Klaus Düsing, Das Problem der Subjektivität in Hegel’s Logik, Hegel-Studien, Beiheft 15, Bonn, Bouvier, 1976, p. 305.
Cf. A. Léonard, Commentaire littéral de la logique de Hegel, París, Vrin, 1974, p.19.
G.W.F. Hegel, Vorlesungen, p.417.
Cí. N. Hartmann, Zur Grundlegung der Ontologie, Berlin, W. de Gruyter, 1935, p. ix. /Trad. cast. de J. Gaos, Ontología l. Fundamentos, México, F.C.E., 1954, p. xiv./
Cr, Ibid., pp. 41-43, 121-25. /Trad. cast., pp. 48-49, 139-43./
Metafísica, IX, viii, 1049 b 5.
Cf. N. Hartmann, Philosophie der Natur, Berlin, W. de Gruyter, 1950, pp. 265-67. /Trad. cast. de J. Gaos, Ontología IV. Filosofía de la naturaleza, México. FCE, 1960, pp. 297 -98./
N. Hartmann, Theologisches Denken, p. 100. /Trad. cast., p.343./
Cf. Física, 11I, 1, 201 a 10-11; y N. Hartmann, Theologisches Denken, pp. 48-50 /trad. cast., pp. 283-86/.
N. Hartmann n , Móglichkeit und wirklichkeit, Meisenheim a. G., A. Hain, 1949, pp. 82-85. /Trad. cast. de J. Gaos, Ontología 1/. Posibilidad y efectividad, México, F.C.E., 1956, pp. 93-97./
Cf, N. Hartmann, Der Aufbau der realen Welt, Meisenheim a. G., A. Hain, 1949, p. 286. /Trad. cast. de J. Gaos, Ontología fll. La fábrica del mundo real, México, FCE., 1959, p. 315./
N. Hartmann, Philosophie der Natur, p. 331. /Trad. cast., p. 368./ Cf. N. Hartmann, Der Aufbau der realen Welt, p. 313 y ss. /Trad. cast., p. 344 y ss./
“Nesse caso deve naturalmente o princípio estar contido e ser efetivo desde abaixo já nas formas ínfimas do ser, a saber, nas da natureza inanimada e da matéria. Porém como o sumo princípio final somente pode encontrar-se na mais alta forma do ser, ou seja, tem que ser da índole do ser espiritual, resulta que já na matéria tem que estar disposto o espírito para desprender-se a partir daí na série ascendente das formações” N. Hartmann, Theologisches Denke, p. 42 (trad. cast., p. 276.)
Cf, 1. Leclerc, Whitehead’s Metaphysics, London, AJlen& Unwin, 1958, pp. 17-23 y 85-86.
A. N. Whitehead, Process and Reality, New York, Macmillan, 1929, p. 147. Aristóteles leva a cabo “uma análise magistral da noção de ‘geração”’, p. 319/.
Ibid, p. 64. As diferenças entre a ousia e a entidade atual residem no que Whitehead exige que “se abandone completamente a noção de uma entidade atual como sujeito inalterável da mudança”, p. 43. A noção de algo que perdura no meio das mudanças de qualidades e relações acidentais – isto é, de algo que pode receber determinações contrárias enquanto permanece como um e o mesmo. Cf. Categorias, V, 4a 10-12. É uma abstração útil porém errônea enquanto “enunciado fundamental acerca da natureza das coisas”, p. 122. Algo perdurável se constitui tão somente quando certos caracteres comuns – uma conjunção organizada de formas – se transmitem em um nexo de entidades atuais: “Na filosofia do organismo não é a ‘substância’ o que é permanente senão a “forma”, p. 44. A mudança e a permanência consistem na variação e na reiteração das formas compartilhadas pelas sucessivas entidades atuais. Ou seja: as coisas que perduram têm uma existência derivada. Não obstante, a noção de entidade atual não deve considerar-se como um retaliar senão como uma reinterpretação da noção de ousia. Ocupa o lugar dessa e compartilha suas características de unidade, individualidade, subsistência e delimitações próprias. Se há, ademais, assinalado que a exigência hegeliana de que a substância se converta em um sujeito, pode considerar-se como uma característica da filosofia de Whitehead se se tem em conta que está referida a uma pluralidade de substâncias. Cf. W.W. Hocking, “Whitehead on Mind and Nature”, em P.A. Schilpp (comp.), The Philosophy of Alfred North Whitehead, New York, Tudor, 1951, p. 390. Whitehead difere dos críticos da noção de substância porque “aceita a necessidade de uma doutrina reformada”, William A. Christian, An Interpretation of Whitehead’s Metaphysics, Connecticut, Greenwood, 1977, p. 118.
Ibid., p. 47.
Cf. 1. Leclerc, op. cit., p. 82 Y ss.; Y “Form and Actuality “, en The Relevance of whitehead, pp. 169-89. Um intérprete de Whitehead expressa: “A ‘matéria’ é o esconderijo da pura e simples ignorância, e sua única função útil é postergar para uma ocasião mais convergente as especificações do tipo de realidade psíquica requerida no caso dado. Aristóteles carecia do conhecimento fático para levar a cabo esta especificação excepto no caso dos animais. Que só agora começamos a ter.”, C. Hartshorne, Beyond Humanism. Essays in the Philosophy of Nature, Gloucester, P. Smith, 1975, p. 236/.
Cf. A.N. Whitehead, Process and Reality, pp. 228, 320.
Ibid., pp. 128-29. “Com referência a Hegel, Whitehead sustem que há querido transformar as principais doutrinas do idealismo absoluto sobre uma base realista, e assinala que ‘o desenvolvimento da meta subjetiva… não é outra coisa que o desenvolvimento hegeliano de uma ideia’”, Ibid, p. 254; Cf., p. viii.
Ibid., p. 374.
Ibid., p. 522. Cf. A. Parmentier, La philosophie de Whitehead et le problème de Dieu, Paris, Beauchesne, 1968, pp. 408-409.
Metafísica, XII, vii, 1072 a 23-32.
Cf. E.E. Harris, Nature, Mind and Modem Science, London, Allen & Unwin, 1968, pp. 253, 437-38.
A.N. Whitehead, Science and the Modern World, New York, Macmillan, 1967, p. 173. “Se temos de conceder a alguém a posição do mais grande metafísico tendo em conta a genialidade da visão, o conjunto geral de seus conhecimentos e o estímulo de sua estirpe, devemos eleger a Aristóteles”, loc. cit.
Cf. M. Heidegger, Was ist Metaphysik?Frankfurt a. M., V Klostermann, 1969, p. 19.
Cf. M. Heidegger, Identitát und Differenz, pp. 64-65; y Was ist Metaphysik, p. 20.
A. N. Whitehead, Process and Reality, pp. 525-26.
Ibid., p. 254.
Cf. A.N. Whitehead, Religion in the Making, London, Cambridge University Press, 1930, pp. 64, 71-76; y Science and (the Modern World, pp. 173-74, 178.