Proscênio Filosófico.

Que o Eco das Grandes Obras ressoe em vós!

Aproximação ao Mistério do Ser | Gabriel Marcel

O título que hei escolhido para este ensaio, se bem que não somente é capaz de assustar aos profanos, senão também de escandalizar aos mesmos filósofos. Os filósofos, em efeito, têm o costume de deixar o mistério [1] aos teólogos, ou bem aos vulgarizadores, já sejam da mística, já sejam o ocultismo, como por exemplo Maeterlinck. É evidente, ademais, que a palavra ontológico está desacreditada aos olhos dos filósofos formados em contato com o idealismo, e que para os não filósofos apenas significa um nada. Enquanto aos pensadores da tradição escolástica, a palavra ontologia tem para eles um som familiar, pois em geral tais pensadores reservam quase sempre o nome de mistério para designar os mistérios revelados.

Tenho plena consciência das resistências com que forçosamente vou me encontrar e das reprovações que vou receber. Devo dizer, não obstante, que a terminologia em questão me parece a única adequada ao conjunto de apreciações que vou esboçar e cuja importância considero central. Os leitores do meu Journal Métaphysique [2], não teriam nenhuma dificuldade de comprovar que as teses fundamentais que vou propor são o resultado de toda a evolução filosófica e espiritual que se persegue através do Journal.

Mas que a partir imediatamente de definições abstratas e de argumentações dialéticas que desanimaram de entrada aos meus leitores*, quisera começar apresentando uma espécie de caracterização global e intuitiva do que é um homem a quem lhe falta o sentido ontológico, o sentido do ser, ou, mais exatamente, que há perdido a consciência de possuí-lo. Em geral, o homem moderno é assim, e se, todavia, lhe inquieta a exigência ontológica é muito surdamente, como um impulso débil. Me pergunto se um psico-análises mais delicada e mais profunda que o desenvolvimento até o momento presente não chegaria a discernir os efeitos perniciosos que engendra o rechaço neste sentido, desta exigência não reconhecida.

A época contemporânea creio que se caracteriza por algo que poderia chamar-se, sem dúvida, exorbitação da ideia de função; e tomo aqui a palavra função em sua acepção mais geral, a que compreende, a sua vez, as funções vitais e as funções sociais.

O indivíduo tende a aparecer ante si mesmo e também ante os demais como um simples conjunto de funções. Por razões históricas muito profundas, e que nós não captamos, todavia, senão somente em parte, o indivíduo ha sido induzido a tratar-se a si mesmo, cada vez mais, como uma suma de funções cuja hierarquia se lhe aparece ademais problemática e, em todo caso, sujeita às interpretações mais contraditórias

Em primeiro lugar, funções vitais. Apenas é necessário indicar o papel que hão podido desempenhar nesta redução o materialismo histórico por um lado e o freudismo por outro.

Em segundo lugar, funções sociais: função de consumidor, função de produtor, função de cidadão, etc.

Entre umas e outras há lugar, teoricamente, para as funções psicológicas. Pois em seguida se vê que as funções propriamente psicológicas sempre teriam a interpretar-se, ou bem em relação às funções vitais, ou bem em relação às funções sociais, e que sua autonomia seria precária, e sua especificidade posta na tela de juízo. Neste sentido Comte, ajudado ademais por sua incompreensão total da realidade psicológica, deu provas de uma espécie de adivinhação quando recusou assinar um lugar de psicologia na classificação das ciências.

Até aqui, ainda estamos em plena abstração. Contudo, o passo a experiência mais concreta se opera com extrema facilidade neste domínio.

Muitas vezes me pergunto, com uma espécie de ansiedade, que pode ser a vida ou a realidade interior, por exemplo, de qualquer emprego do metro: o homem que abre e fecha as portas, ou o que pica os bilhetes. Há que reconhecer que, nele e fora dele, a sua vez, tudo concorre para determinar a identificação entre este homem e suas funções. E não falo somente de sua função de empregado, ou de afiliado a um sindicato, ou de eleitor, senão também de suas funções vitais. A expressão, bastante horrível no fundo, de emprego do tempo, encontra aqui sua plena utilização. Tantas horas estão consagradas a tais funções. O sonho é também uma função, mas que há que cumprir para poder levar a cabo as outras funções. E o mesmo ocorre com o ócio e com o descanso. Concebemos perfeitamente que um higienista chegue a declarar que um homem necessita divertir-se tantas horas por semana. Trata-se aqui de uma função orgânica-psicológica que, por exemplo, suponho deve ter-se tão em conta como as funções sexuais. É inútil insistir; com este esboço basta. Vemos concretar-se aqui a ideia de uma espécie de escala vital cujos detalhes variam naturalmente segundo os países, os climas, os empregos, etc. Pois, o importante é que haja uma escala.

Sem dúvida, podem manifestar-se princípios de desordem, de ruptura; o acidente sobre todas suas formas, a enfermidade. Por isso resulta compreensível, e é o que sucede com frequência na América, e creio que também na Rússia, que se submete ao indivíduo, como a um relógio [3], a verificações periódicas. A clínica aparece aqui então como uma casa de controle ou como uma oficina de reparações. E assim também, desde este ponto de vista de funções, é como são considerados problemas essenciais como o de Birth Control (controle de natalidade).

Inclusive a morte aparece aqui, desde um ponto de vista objetivo e funcional, como a posta fora de uso, como o inutilizável, como o dejeto puro.

Apenas é necessário insistir na impressão de asfixiante que se desprende de um mundo cujo eixo central é a função. Me limitarei a recordar aqui a penosa imagem do ancião jubilado, e outra também semelhante à anterior, desses domingos de cidade em que os viajantes dão precisamente a impressão de ser jubilados da vida. Em um mundo deste tipo, a tolerância de que se beneficia o jubilado tem algo de irrisório e quase de sinistro.

Contudo, não somente é triste este espetáculo para quem o mira. Existe também o surdo e intolerável mal estar experimentado por quem se vê reduzido a viver como se efetivamente se lhe confundira com suas funções; e este mal estar basta para demonstrar a existência de um erro ou um abuso de interpretação atroz, ao que uma ordem social cada vez mais inumano e uma filosofia também inumana (filosofia que se bem há performado essa ordem, depois há copiada dele) hão tendido igualmente a arraigar nas inteligências indefesas.

Tive a ocasião de escrever que, a condição de que se lhe tomará em sua acepção metafísica e não física, a distinção do cheio e do vazio me parecia mais acertada que a do uno d o múltiplo. Esta observação toma aqui plena significação. Em um mundo centrado na ideia de função. Em um mundo centrado na ideia de função, a vida está exposta a desesperação, desemboca na desesperação [4], porque soa em eco; se a vida resiste a desesperação, é únicamente na medida em que atuam, no seio desta existência e em seu favor, certos poderes secretos que a vida não esta em consideração de pensar, nem de reconhecer. Pois essa profunda cegueira tende inevitavelmente a reduzir a ação possível dessas potências e privá-las, ao final das contas, de seu ponto de apoio.

Advertirei que esse mundo, por uma parte, está cheio de problemas, e por outra parte, está animado pela vontade de não fazer lugar algum ao mistério. Me reservo para depois precisar tecnicamente o sentido desta distinção – a meu juízo fundamental – entre problema e mistério. Por momento me limitarei a indicar que, eliminar ou tratar de eliminar o mistério, é, no mundo funcionalizado do que temos falado, por em jogo, em presença de acontecimentos que rompem o curso da existência, como o nascimento, o amor, a morte…, esta categoria psicológica e psico-científica do inteiramente natural que mereceria um estudo em particular. Trata-se, em verdade, do resíduo de um racionalismo degradado, para o qual a causa explica o efeito, isto é, da conta dele plenamente. Pois, um mundo assim está cheio de infinidade de problemas, porque não conhecemos em detalhe as causas e, portanto, há lugar para investigações indefinidas. Além desses problemas teóricos, existem também uma infinidade de problemas técnicos ligados à questão de saber como podem exercer-se, a sua vez, e sem prejuízo mútuo, às diferentes funções vitais e sociais que previamente se hão inventariado. Por outra parte, entre problemas teóricos e problemas técnicos dependem de técnicas definidas, e, inversamente, os problemas técnicos não podem resolver-se mais que ali onde um certo saber teórico há sido previamente constituído.

Em um mundo assim, a exigência ontológica, a exigência de ser, se há extenuado na medida precisa em que por uma parte, a personalidade se fraciona, e por outra, triunfa a categoria do inteiramente natural e onde se atrofiam, por conseguinte, o que haveria que chamar aqui quiçá as potências do assombro. Esta palavra, me apressou a dizê-lo, não é acertada; nosso idioma não dispõe de palavras que equivalem a wunder e wonder que asseguram a possibilidade de uma certa circulação vital entre o assombro e o milagre.

Contudo, em fim, não podemos agora abordar diretamente e tratar de estreitar esta exigência ontológica? Em realidade isto somente é possível até certo ponto. Por razões profundas, e que aparecerão pouco a pouco, suspeito que esta exigência apresenta o caráter singular de não poder ser integralmente transparente a si mesma.

Se nos esforçarmos em traduzi-la sem alterá-la, chegaremos a dizer aproximadamente o seguinte:

É necessário que haja – ou seria necessário que houvesse – ser; que no todo se reduza a um jogo de aparencias sucessivas e inconsistentes – esta última palavra é essencial – ou, como diria Shakespeare, a uma história contada por um idiota; neste ser, nesta realidade eu aspiro avidamente a participar de alguma maneira; e quiça esta mesma exigencia seja já, em certo grau, uma participação por rudimentária que seja.

Observemos que uma exigência semelhante está já no coração do pessimismo mais radical. O pessimismo somente adquire sentido quando diz: seria necessário que o ser fosse, contudo não é, e, portanto, eu mesmo que faço esta comprovação sou nada.

Enquanto que ao definir mais precisamente o que quer dizer a palavra ser, convenhamos que é estranhamente difícil. Proporei somente esta via de aproximação [5]: o ser é aquilo que se resiste – ou seria aquilo que se resistiria – a uma análise exaustiva sobre dados da experiência e que tratará de reduzi-los progressivamente a elementos cada vez mais desprovidos de valor intrínseco ou significativo (uma análise deste tipo é o que se leva a cabo nas obras teóricas de Freud, por exemplo).
Quando na la Ville, o pessimista Besme declara que nada é, quer dizer justamente que nenhuma experiência resiste a estas análises, a esta prova. E esta espécie de apologética ao revés, que constitui o pessimismo absoluto, estará sempre gravitando em toda a morte considerada precisamente como exposição, como evidência desta última.

No entanto, é possível uma filosofia que se negue a ter em conta a exigência ontológica: e justamente para esta abstenção é para onde há tendido o pensamento moderno em seu conjunto. Pois aqui é necessário distinguir duas atitudes que às vezes unicamente se está tentado a confundir: uma, consistirá em manter-se sistematicamente em reserva, será a atitude agnóstica sobre todas as suas formas; outra muito mais ousada, mais valente, mais coerente, tenderá a ver na exigência ontológica expressão de um dogmatismo caduco do que a crítica idealista há feito justiça de uma vez por todas.

A primeira atitude tem, a meu modo de ver, um sentido exclusivamente negativo; corresponde em realidade a uma comodidade da inteligência: A questão não se empreenderá.

A segunda atitude, ao contrário, pretende apoiar-se em uma teoria positiva do pensamento. É impossível criticar em detalhe uma filosofia desta índole; observei tão somente o que me parece que tende para um relativismo que recusa reconhecer-se a si mesmo, ou também para um monismo do universalmente válido que ignora o pessoal sobre todas suas formas, que ignora o trágico, que nega o transcendente e pretende reduzi-lo a expressões caricaturais essenciais. Observarei também que pelo fato mesmo de que essa filosofia faz continuamente ênfase na atividade verificadora, acaba ignorando esta presença, esta realização interior da presença no centro do amor que transcende infinitamente toda verificação concebível, já que se exerce no seio de um imediato situado mais além de toda mediação pensável. Isto se esclarecerá em certa medida com o que segue.

Em minha opinião, creio que somente um ato arbitrário, ditatorial, mutilador da vida espiritual em sua raiz mesma, pode reduzir ao silêncio a exigência ontológica. Isto sempre é possível; nossas condições de existência são tais que podemos afirmar realmente que o fazemos; e isto não o devemos duvidar.

Estas primeiras reflexões acerca da exigência ontológica, ao fazer ressaltar sua indeterminação, deixa aparecer uma paradoxa essencial. Enunciar esta exigência é comprometer-me, primeiro, em um labirinto de problemas: o ser é? O que é o ser? Pois sobre estes problemas eu não posso levar minha reflexão sem ver o que se abre sobre meus pés um novo abismo: eu, que interrogo pelo ser, posso estar seguro de que sou?

E, no entanto, eu, que formulo esse problema, deveria poder manter-me fora – mais próximo ou mais além – desse mesmo problemas que formulo. Em realidade está claro que não ocorre assim; a reflexão me mostra que este problema invade, de alguma maneira, de modo inevitável, esse proscenium teoricamente preservado Somente mediante uma ficção o idealismo, em sua forma tradicional, intenta manter a margem do ser uma consciência que o afirme ou que o negue.

Não posso, pois, deixar de perguntar-me, a sua vez: quem sou eu, que me pergunto sobre o ser? Que qualidade tenho eu para realizar essas investigações? Se eu não sou, como esperarei vê-las concluir? Ainda admitindo que eu seja, como posso estar seguro de que sou?

Contrariamente à ideia que há de apresentar-se aqui de modo natural, penso que neste plano o cogito não pode apresentar-nos ajuda alguma. Não obstante o que Descartes tenha podido pensar dele, se ele não põe em possessão de algo indubitável, este algo concerne somente ao sujeito epistemológico como órgão de um conhecimento objetivo. O cogito, hei escrito em outra parte, guarda o umbral do universalmente válido, e isso é o todo; a prova disso está na indeterminação acerca do eu. A mim me parece que o eu sou se apresenta como um todo indivisível.

Resta prever uma objeção. Uma de duas, se dirá: ou bem o ser aludido na questão, que sou? concerne ao sujeito do conhecimento, pois neste caso estamos exatamente no plano do cogito; ou bem o que chamamos exigência ontológica não é mais que o extremo – se não a falaciosa transposição – de uma exigência propriamente vital da que o metafísico não deve preocupar-se.

Pois, acaso o erro não amarra aqui, antes de tudo, em cortar arbitrariamente a questão eu sou do problema ontológico tomado em seu conjunto? Em realidade, ambos somente podem tomar-se e abordar-se simultaneamente. Pois, ademais, como vamos a ver, se destroem em certa maneira enquanto problemas.

Há que aludir que a posição cartesiana, de fato, não pode separar-se de um dualismo que, por minha parte, rechaçar sem dúvida alguma. Empreender o problema ontológico é interrogar-se pela totalidade do ser e por mim mesmo enquanto totalidade.

Ademais, de maneira correlativa, pode perguntar-se se está dissociado entre o intelectual e o vital, com o desprezo arbitrário ou a exaltação arbitrária do vital resultantes, não deve justamente rechaçar-se. É certo que é legítimo fazer distinções hierárquicas no seio da unidade de um ser vivo que pensa e se esforça por pensar-se; pois o problema ontológico somente se desenvolve mais além dessas distinções e para isso ser tomado em sua total unidade.

Se tratamos de dominar a situação a que temos chegado neste ponto de nossa reflexão, comprovamos que estamos em presença de um desejo de afirmação que, em última análise, parece não poder estabelecer-se, pois eu não posso julgar-me qualificado para enunciá-la mas que partir dessa mesma afirmação.

Observemos que esta situação não poderia apresentar-se quando me encontro efetivamente frente a um problema por resolver; em tal caso, em efeito, eu trabalho sobre dados, e ao mesmo tempo tudo ocorre e tudo em autorizada a proceder como se não tivesse eu que ocupar-me desse eu em questão, como se ele não contara para nada. Ele é um suposto, e nada mais.

Aqui, ao contrário, o que eu chamaria estatuto ontológico de perguntar toma uma importância decisiva. Enquanto me sujeito à reflexão mesma, parece que me comprometo em uma digressão sem término. Pois, pelo fato mesmo que concebo a impossibilidade de assinar um término a esta digressão, a rebaixo em certa maneira; reconheço que este processo regressivo se mantém dentro de uma certa afirmação que eu sou antes de enunciá-la: ao enunciá-la a destroço, a divido, me disponho a traí-la.

Poderia dizer em uma linguagem inevitavelmente aproximativa, que minha interrogação sobre o ser pressupõe uma afirmação na que eu estaria em certo modo passivo, e da qual eu seria o objeto antes que o sujeito. Pois isto não é mais que um limite, e um limite que não posso realizar sem contradição. Me oriento, pois, para a posição ou o reconhecimento de uma participação que possui uma realidade de sujeito; esta participação [6] não pode, por definição mesma, ser objeto de pensamento; não poderia fazer as vezes de uma solução, porque se enquadra mais além do mundo dos problemas: é meta-problemática.

De modo inverso, podemos ver que, se é possível afirmar algo meta-problemático, é somente transcendendo a oposição de um sujeito que afirma o ser e o ser enquanto afirmado por esse sujeito, e como fundado em certa maneira esta oposição. Supor um meta-problema é dar a primazia ao ser com respeito ao conhecimento (não do ser afirmado, senão, de melhor modo, do ser que se afirma); é reconhecer que o pensamento está envolto pelo ser, que lhe é, em certa maneira, interior, em um sentido quiçá análogo ao que Paul Claudel buscou precisar em sua Art Poétique.

Desde este ponto de vista, contrariamente aos que a teoria do conhecimento se esforça em vão por estabelecer, há em realidade um sublime mistério do conhecer; o conhecimento se suspende em um modo de participação do qual nenhuma epistemologia pode esperar dar conta porque ela mesma o supõe.

No ponto em que estamos podemos precisar já a distinção entre problema e mistério [7]: um mistério é um problema que avança sobre seus próprios dados, que o invade, e que se rebaixa por esse mesmo como simples problema. Uma série de exemplos nos permitirá conferir a esta distinção um conteúdo compreensível.

É evidente que há um mistério na união da alma com o corpo. A unidade indivisível, que expressamos sempre de forma inadequada mediante fórmulas tais como: tenho um corpo, me sirvo de meu corpo, sinto meu corpo, etc… é exterior a toda análise, e de modo algum se poderia reconstruir por via sintética a partir de elementos que lhe seriam logicamente anteriores; tal unidade não somente está dada, senão que eu diria que é doador no sentido de o que chamarei a presença de mim mesmo a mim mesmo, presença cujo ato de consciência em si não é senão uma simbolização inadequada.

Vemos imediatamente que não se pode traçar uma linha demarcatória entre problema e mistério. Pois um mistério colocado ante a reflexão tende inevitavelmente a degradar-se em problema. Isto é particularmente manifesto com respeito ao problema do mal.

Quase inevitavelmente, em efeito, me vejo levado a tratar o mal como uma desordem que contemplo e cujas causas ou razão de ser o, ainda, finalidade secreta trato de discernir. Como esta máquina funciona de modo tão defeituoso? Ou é que este caráter defeituoso aparente deriva de um caráter defeituoso e real de minha visão?

Neste segundo caso, seria em mim onde residiria a desordem verdadeira, por esta desordem seguiria sendo objetivo respeito a meu pensamento que o discerne ou o comprove. Pois o mal puramente comprovado ou contemplado deixa de ser o mal sofrido: simplesmente, deixa de ser o mal. Em realidade somente o capto como mal na medida em que me preocupa, isto é, em que estou implicado nele como se pode estar implicado em um negócio; esta implicação é aqui o fundamental, e somente pode fazer abstração dela mediante uma ficção injustificável, pois ao mesmo tempo procederia como se fosse Deus e um Deus contemplador.

Aqui vemos com claridade como se derruba a distinção entre o que é em mim e aquilo que está diante de mim; caí sobre a lógica de uma reflexão a segunda potência [8].

Pois, evidentemente onde melhor vemos borrar-se a fronteira entre o em mim e o diante de mim, é no amor [9]. Inclusive, quiçá, seria possível mostrar que, em efeito, a esfera do meta-problemático coincide com a do amor; que um mistério como o da união da alma e o corpo somente é compreensível a partir do amor e que em certa maneira o expressa.

Por outra parte, é inevitável que uma reflexão que não se reflete sobre si mesma, ao aplicar-se ao amor, tende a dissolver este mata-problema e interpretá-lo em função de elementos abstratos tais como o querer viver, a vontade de poder, a libido, etc. Ademais, dado que a ordem dos problemas é a ordem do válido, seria extremamente difícil, e quiçá impossível, refutar essas interpretações sem colocar-se em um terreno diferente, no qual, a dizer a verdade, perdem seu sentido. Ao mesmo tempo me é assegurado, me é garantido – e esta segurança me envolve como um manto protetor – que, quando eu amo realmente, não tenho que inquietar-me por essas reduções depreciadoras.

Haverá quem pergunte: Qual é então o critério do amor real? Há que responder que somente existe criteriologia na ordem do objeto ou do problematizados, e já desde distante advertimos o valor eminente que desde o ponto de vista ontológica há que assinar a fidelidade [10].

E aqui outro exemplo mais imediato, mais particular, e que me parece mais apropriado para eliminar a diferença entre um mistério e um problema.
Realiza um encontro que chegará a ter em tua vida uma repercussão profunda, inextinguível. Todo o mundo pode haver feito a experiência do que significa as vezes um encontro desde o ponto de vista espiritual, e no entanto isto é algo que os filósofos comumente hão ignorado ou desdenhado, sem dúvida porque o encontro não afeta mais que a pessoa enquanto pessoa, não é universalizável, não concerne ao ser pensante em geral.

É evidente que um encontro desta índole, se se quer, empreende em cada ocasião um problema. Pois vemos também com grande nitidez que a solução deste problema fica mais próxima da única questão que verdadeiramente importa. Se me diz, por exemplo: Você encontrou uma tal pessoa em tal lugar porque lhe gostam as mesmas paisagens, ou porque sua saúde me obriga a receber o mesmo tratamento que você, se vê de imediato que não há resposta. Há em Florença ou em Engadina, ao mesmo tempo que eu, uma multiplicidade de pessoas que, se supõe, compartilham meus gostos; há no balneário em que me banho, um número considerável de enfermos que sofrem a mesma afecção que eu. Contudo presume identidade destes gostos ou desta enfermidade não nos aproxima no sentido real da palavra; não tem relação com a afinidade íntima, única em seu gênero, de que se trata aqui. Ademais, seria ultrapassar os limites do raciocínio universalmente válido, considerar esta afinidade como a causa e dizer: é precisamente ela a que há determinado nosso encontro.

Me encontro, pois, em presença de um mistério, isto é, de uma realidade cujas raízes se aprofundam mais além do que propriamente falando, é problemático. Eludimos a dificuldade dizendo que não se trata, depois de tudo, mas que de um feliz azar ou uma coincidência? Um protesto aumenta subitamente desde o fundo de mim mesmo contra esta fórmula vazia, contra esta negação ineficaz de algo que eu aprendo com o mais íntimo de meu ser. Uma vez mais encontramos aqui a definição inicial do mistério como problema que rebaixa a jurisdição de seus próprios dados; eu, que me interrogo acerca do sentido e da possibilidade deste encontro, não posso situar-me realmente fora dele nem frente a ele; estou comprometido neste encontro, dependo dele, lhe sou, em certo modo, interior; me envolve e me abarca embora eu não lhe abarque a ele. Por conseguinte, somente, por uma espécie de deslealdade ou traição posso dizer: Depois de tudo, podia não ter sucedido isto é seguir eu sendo o mesmo que era, o mesmo que, todavia, sou. Nem tampouco, se pode dizer: hei sido modificado por ele como uma causa exterior. Não; ele me há desenvolvido desde dentro, atuando sobre mim como princípio interior a mim mesmo.

Agora, isto é muito difícil de compreender sem deformá-lo. Inevitavelmente me verei tentado a reagir contra este sentimento de interioridade do encontro; e tentado por minha própria honradez, tentado, porque certa medida deve julgá-lo como o melhor que tenho de mim, como o mais seguro sempre.

Estas desilusões correm o risco, para dizer a verdade, de reforçar indiretamente no espírito de meus leitores uma objeção prévia que convém empreender aqui do modo mais claro possível.

Este meta-problema, se dirá, é de qualquer forma um conteúdo de pensamento; portanto, como não interrogar-me sobre o modo de existência que lhe pertence?Que nos assegura acerca desta existência? Não é ela mesma altamente problemática?
Minha resposta será aqui o mais categórica possível: Pensar, ou mais exatamente, afirmar que o meta-problemático é afirmá-lo como induvidavelmente real, como algo do qual não posso duvidar sem contradição. Estamos aqui em uma zona em que já não é possível dissociar a ideia mesma e a certeza ou o índice de certeza que a afeta.

Pois esta ideia é certeza, é garantia de si; nesta medida é outra coisa e mais que uma ideia. Pois as palavras conteúdo de pensamento que figuravam na objeção são extremamente enganosas. Pois um conteúdo é, apesar de tudo, algo extraído da experiência; e, pelo contrário, não podemos elevá-lo ao meta-problemático ou ao mistério senão por uma operação que nos desprenda ou nos separe da experiência. Desprendimento real; separação real, e não abstração, isto é, ficção reconhecida como tal.

E aqui não encontramos frente ao reconhecimento, pois é nele reconhecimento e somente nele onde tal desprendimento se cumpre. Estou convencido por minha parte que não há ontologia possível, isto é, apreensão do mistério ontológico, de nenhum grau, senão para um ser capaz de recolher-se e de testemunhar que não é um puro e simples ser vivo, uma criatura entregada a sua vida e sem domínio sobre ela.

É preciso assinalar que o tema do recolhimento (reminiscência) [11]; que há preocupado muito pouco aos filósofos, é muito difícil de definir, embora somente seja porque transcende o dualismo potência e ato, ou mais exatamente porque coincida em si esses dois aspectos anti-nomicos. O recolhimento é essencialmente o ato pelo qual eu me recobro como unidade: a palavra mesmo o indica. Pois esta recuperação, esta nova apropriação, reveste o aspecto de uma distensão, de um abandono. Abandono a – distensão em presença de – sem que, em nenhum caso, me seja possível fazer posteriores estas proposições a um sujeito que elas regeriam. Ao caminho se detém o umbral…

Por demais, a problematização se verificará aqui como em todas as partes, e é o psicólogo quem se esforçará por fazê-lo. É necessário assinalar que o psicólogo não está em melhor situação para esclarecer-nos a questão acerca do alcance metafísico do recolhimento que acerca do valor noético do conhecer.

No seio do recolhimento tomo posição – ou, com maior exatidão, me ponho em estado de tomar posição – ante minha vida; me distancio [12] dela em certa maneira, pois não como o sujeito puro do conhecimento: nesta distanciação me levo comigo o que sou e o que quiçá minha vida é. Aqui aparece o intervalo entre meu ser e minha vida. Eu não sou minha vida; e se me encontro em estado de julgá-la – e não posso negar isto sem inclinar-me para um ceticismo radical que não é senão desesperismo (desespero) – é a condição de poder primeiro reunir-me no recolhimento mas além de todo juízo possível, e mais além de toda representação. O recolhimento é sem dúvida o menos espetacular que há na alma; não consiste em mirar algo; é uma recuperação, um restabelecimento interior, e caberia perguntar-se, o anoto somente de passo, se não seria necessário ver nele o fundamento ontológico da memória, o princípio de unidade efetiva e irrepresentável sobre o qual descansa a possibilidade mesma da recordação. A expressão inglesa to recollect one self (reunir-se consigo mesmo) é reveladora.

Poderia unicamente perguntar se o recolhimento não se confunde, depois de tudo, com esse momento dialético de volta sobre si ou, de melhor modo, do Fur-sich-sein (ser-para-si-mesmo) que está no centro do idealismo alemão?

Verdadeiramente, não o creio. Entrar em si não significa ser para si e mirar-se de certo modo na unidade inteligível do sujeito e do objeto. Pelo contrário, eu diria que estamos aqui em presença desse paradoxo que é o mistério mesmo em virtude do qual o eu no qual entra, cessa, pelo mesmo, de ser para mim mesmo. Não sou vocês. Estas grandes palavras de São Paulo sobram aqui sua significação, a sua vez, ontológica e essencialmente concreta; são as que melhor traduzem a realidade em torno da qual nos movemos agora. Esta realidade poderia perguntar-se, não é objeto de intuição? O que chama de recolhimento não é o que outros chamam a intuição?

Também agora me parece necessário ser extremamente prudente. Se é possível falar aqui de uma intuição, é de uma intuição que não se dá nem pode dar-se como tal.

Quanto mais central é uma intuição, quanto mais ocupa o fundo mesmo do ser que ilumina, tanto menos é susceptível, precisamente, de voltar sobre si e apreender-se.
Se reflexionarmos também no que poderia ser uma intuição do ser, vemos que tal intuição não é – nem deve ser- suscetível de figurar em uma coleção, de inventariar como uma experiência ou um Erlebnis (sucesso) qualquer, que, pelo contrário, apresenta sempre esse caráter de poder ser umas vezes integrada, e outras vezes isolada e como posta a descoberto. Desde logo, todo esforço por evocar esta intuição, para representá-la diria eu, tem que ser infrutífero. Neste sentido, falamos da intuição de ser é convidar-nos a tocar um piano mudo. Esta intuição, não se pode produzir a plena luz pela sensível razão de que, em verdade, não se a possui.

Estamos tocando aqui o ponto mais difícil de toda minha exposição. Em lugar de usar o término intuição, mas voltaria a dizer que temos que havê-la com uma segurança que sustém todo desenvolvimento do pensamento, inclusive o discursivo; portanto, somente podemos aproximarmo-nos a ele mediante um movimento de conversão, isto é, por uma reflexão segunda:a reflexão em virtude da qual me pergunto como, a partid de que origem, foram possíveis os passos de uma reflexão inicial que postulava o ontológico sem sabê-lo. Esta segunda reflexão [13], na medida que é capaz de pensar-se a si mesma, é o recolhimento.

Me resultaria muito penoso, em verdade, ter que usar uma linguagem tão abstrata quando se trata, no fundo, não de uma dialética ad usum philosophorum, senão do que pode haver de mais vital, e, diria de mais dramático no ritmo de uma consciência que se põe a prova com o fim de recobrar-se.

Este aspecto dramático é o que devemos esclarecer agora.

Voltamos ao que assinalei no começo: a exigência ontológica, a exigência de ser, pode negar-se a si mesma. Em outro nível, o ser e a vida não coincidem; minha vida, e por refração toda vida, pode parecer definitivamente inadequada a algo que levo em mim, que em rigor eu sou, mas que no entanto a realidade rechaça e exclui. A desesperação [14] é possível em todas suas formas, em todo instante, em todos os graus. Pode parecer que a estrutura mesma de nosso mundo nos recomenda, se é que não nos a impõe, esta traição. O espetáculo de morte que nos oferece este mundo pode ver-se, desse certo ângulo, como uma incitação perpetua a negação, a deserção absoluta. Inclusive, poderia dizer-se que a possibilidade permanente do suicidio é, neste sentido, o ponto quiçá essencial de todo pensamento metafísico verdadeiramente autêntico.

Talvez alguns se surpreendam ao ver aparecer em meio deste desenvolvimento abstrato e repousado, palavras tão extremamente carregadas de potencial afetivo, palavras vedette como suicidio ou traição. Não se trata de uma concessão ao sensacionalismo. Tenho persuadido que é no drama e através do drama [15], onde o pensamento metafísico se entende a si mesmo e se define em concreto. Jacques Maritain, em uma conferência pronunciava faz um ano ou dois anos em Lovaina sobre o Problema da Filosofia Cristã, disse: Nada mais fácil para uma filosofia que do que ser trágica; não tem mais que abandonar-se a seu peso humano, alusão sem dúvida as especulações de Heidegger. Eu creio, ao contrário, que a tendência natural da filosofia a inclina para regiões em que parece que o trágico houvesse desaparecido pura e simplesmente, se houvesse voltado ao contato com o pensamento abstrato. E isso é o que observamos em muitos idealismos contemporâneos. Porque ignoram a pessoa, e o sacrifício a não sei que verdade ideal, a não sei que principio anônimo de interioridade pura, e se revelam incapazes de abraçar estes dados trágicos da vida humana aos que fiz alusão; os expulsam junto com a enfermidade e tudo quanto esta implica, para não sei que suburbios de má fama em que o filósofo digno deste nome desdenha aventurar-se. Mas esta atitude é intimamente solidária, já o hei dito, de rechaço da exigência ontológica; na realidade é o mesmo.

Se hei feito enfase na desesperação, na traição, no suicidio, é porque, neles encontramos as expressões mais manifestas de uma vontade de negação que alcança efetivamente ao ser.

Tomemos por exemplo a desesperação. Se trata aqui do ato pelo qual unicamente desespera da realidade em seu conjunto, no sentido de que unicamente desespera de alguém. A desesperação se apresenta como a consequência ou a tradução imediata de certo balanço: por muito que eu possa apreciar o real – e o que excede minhas faculdades de apreciação é para mim como se não existisse – eu não descubro ali nada que resista a um processo de disposição que se prossegue no fundo das coisas e que minha reflexão me permite reconhecer e assinalar. Na raíz da desesperação creio encontrar esta afirmação: nada há na realidade que me permita apresentar-me crédito; nenhuma garantia. É um caso de insolvência absoluta.

A esperança, pelo contrário, implica justamente este crédito. Contrariamente ao que assinalou Spinoza, quem me parece haber confundido aqui noções totalmente distintas, o temor é correlativo não dá esperança senão do desejo, enquanto que o correlato negativo da esperança é ato que consiste em pensar o pior das coisas, um ato do qual constitui uma ilustração surpreendente e o chamado derrotismo, e que sempre corre o risco de degradar-se no desejo do pior. A esperança consiste em afirmar que há no ser, mais além de tudo o que é dado, de tudo o que pode ser matéria de um inventário ou servir de base para um cálculo qualquer, um princípio misterioso que está em cumplicidade comigo mesmo, que não pode deixar de querer o que eu quero, ao menos se o que eu quero merece efetivamente ser querido, e o quero realmente com todo meu ser.

Evidentemente estamos aqui no centro do que chamei de mistério ontológico, e os exemplos mais sensíveis são também os melhores. Esperar contra toda esperança que o ser amado triunfará da enfermidade incurável que o consome é como dizer: não é possível que eu seja o único a querer sua cura, é impossível que a realidade em sua estranheza seja hostil ou indiferente ao que eu afirme que é em si um bem. Será inútil citar exemplos, casos próprios para me desencorajar: mais além de toda experiência, de toda probabilidade, de toda estatística, afirmo que certa ordem será restabelecida, que a realidade está comigo para querer que ele seja assim. Eu não desejo: afirmo. Isto é o que chamaria a ressonância profética da verdadeira esperança.

Se me objetará: contudo, na imensa maioria dos casos somente se trata de uma ilusão. Mas, deixando a um lado o fato de que é próprio da essência do ato de esperar excluir a consideração de casos, seria necessário mostrar aqui que existe uma dialética ascendente da esperança, pela qual esta é levada a transferir-se sobre um plano transcendente a respeito a todos os desmentidos empíricos possíveis, ao plano da salvação por oposição ao plano do êxito qualquer que seja a forma em que este se apresente.

Não é menos certo que a correlação entre a esperança e a desesperação absoluta subsiste até o final. Não me parecem separáveis. Quero dizer, que a estrutura do mundo no que vivemos permite e em certa maneira parece aconselhar uma desesperação absoluta: pois somente em um mundo semelhante pode surgir uma esperança invencível. Hei aqui porque, finalmente, não me pode estar demasiado agradecido aos grandes pessimistas da história do pensamento; eles hão levado até o limite certa experiência interior que devia ser vivida plenamente e cuja possibilidade radical não deve mascarar apologética alguma. Eles nos hão preparado para compreender que a desesperação pode ser o que foi para Nietzsche (ainda que no registro infra-ontológico, em uma zona semeada de saltos mortais): o trampolim da mais alta afirmação.

Por outra parte, segue sendo certo que, na mesma medida em que a esperança é um mesmo mistério, como o ha visto Péguy, é possível desconhecer tal mistério e convertê-lo em problema [16]. Então se trata a esperança como um desejo revestido de juízos ilusórios que disfarçam uma realidade objetiva da que unicamente tem interesse em desconhecer seu verdadeiro caráter. Sucede aqui o que já temos anotado a propósito do encontro ou do amor; precisamente porque o mistério pode, e em certo sentido deve, logicamente, degradar-se em problema, é porque uma interpretação como a de Spinoza, com a confusão que implica, possa ser proposta em um momento dado. Enquanto não se coloca mais próximo do ontológico, uma atitude semelhante não pode dar pé a nenhuma crítica. Isto é muito importante e necessário insistir nele. Enquanto eu conserve ante a realidade a atitude de quem não está ali implicado [17], mas que se considera obrigado a levantar dela um ato, o mais exato possível (e está é por definição a atitude do científico), tenho fundamentos para observar frente a esta realidade uma série de desconfiança de princípio que não implica nenhum limite de aplicação; tal é a atitude do homem de laboratório, quem em nenhum grau poderia prejulgar os resultados das análises que realiza, e que pode mais facilmente examinar o pior, pois neste plano a noção mesma do pior se esvazia de sentido. Mas justamente uma investigação desta ordem, rigorosamente comprovável a de um sensor de contas, se leva a cabo mais próximo da ordem do mistério, da ordem em que o problema rebaixa seus próprios dados.

Em realidade, quando me interrogo, por exemplo, sobre o valor da vida, estou em uma profunda fantasia se me imagino que posso conservar, todavia, essa atitude: é um verdadeiro paralogismo pensar que posso prosseguir essa investigação como se eu mesmo não estivesse em jogo.

Desde logo, entre a esperança, a realidade da esperança no coração daquele em que ela habita, e os juízos que têm acerca dela um espírito que segue prisioneiro da objetividade, há a mesma partição que separa o problema do mistério.

Nos encontramos aqui em um nó vital de nosso tema no que aparecem algumas conexões particularmente íntimas.

O mundo do problemático é ao mesmo tempo o mundo do desejo e do temor, que não podem ser separados; é também, sem dúvida alguma, o mundo funcionalizado ou funcionalizados que hei definido ao começo desta meditação; é, no fim, aquele mundo no que reinam as técnicas quaisquer que sejam. Não há técnica que não esteja diretamente, ou que não possa estar, posta ao serviço de tal desejo, de tal temos; e, inversamente, todo desejo ou todo temor tenderá a inventar técnicas que lhe sejam apropriadas. Desde este ponto de vista, a desesperação consiste em reconhecer a ineficácia última das técnicas, sem consentir ou sem chegar a colocar-se em um terreno em que toda técnica se reconheceria incompatível com os caracteres fundamentais de ser, que por essência escapa a nosso domínio (isto estando em nosso domínio se exerce no mundo dos objetos e nele exclusivamente). Esta é a razão pela qual pode parecer que hoje em dia hajamos deixado de crer na técnica, isto é, de considerar a realidade como um conjunto de problemas, e, ao mesmo tempo, o fracasso global das técnicas é tão claramente discernível como o são seus triunfos parciais. A pergunta que pode o homem? Ainda respondemos: o homem pode o que pode sua técnica [18]; mas, ao mesmo tempo, temos que reconhecer que esta técnica se revela incapaz de salvar-lhe a si mesmo, e inclusive se mostra capaz de compactuar com o inimigo que o homem leva dentro de si, as mais temíveis alianças.

Entregado a técnica. O qual significa cada vez mais incapaz de dominá-la, ou, melhor, de dominar seu próprio domínio. Pois o domínio de seu próprio domínio, que é a expressão no plano da vida ativa do que hei chamado à reflexão segunda, somente pode encontrar seu centro ou seu ponto de apoio no recolhimento.

Se me objetar que o homem mais imbuído da crença na técnica está obrigado a reconhecer que existem campos imensos sobre os quais ele não tem nenhum poder. Pois o que importa aqui não é esta constatação, senão a maneira como o espírito a julga. Estamos obrigados a reconhecer que carecem completamente de poder sobre as condições meteorológicas, mas se trata de saber se estimamos, já que seria desejável e justo que se nos concedesse este poder. Quanto mais tende a desaparecer o sentido do ontológico na persona, mas ilimitadas lhe resultam suas pretensões, inclusive até de alcançar uma espécie de poder cósmico, porque cada vez mais será menos capaz de interrogar se sobre os títulos que possa ter para exercer esse poder.

Devemos aludir que quanto mais aumente a desproporção entre as reivindicações da inteligência técnica e a fragilidade, – isto é, a precariedade persistente do substrato material que segue sendo, depois de tudo, seu assento ao menos aparente -, tanto mais irão exacerbando-se as possibilidades permanentes de desesperação no fundo dessa inteligência. Neste sentido, realmente há uma correlação dialética íntima entre um otimismo do progresso técnico e uma filosofia da desesperação que emana dele quase inevitavelmente, e não é necessário insistir sobre as ilustrações que a este propósito nos proporciona o mundo de 1933.

Se poderá dizer: depois de tudo, este otimismo do progresso técnico está animado por uma grande esperança. Como pode conciliar-se isto com uma interpretação ontológica da esperança?

Metafisicamente falando, creio que é preciso responder que a única esperança autêntica é aquela que se dirige ao que não depende de nós, aquela cujo recorte é a humildade, não o orgulho. E aqui nós vemos induzidos a considerar outro aspecto do mistério, sempre único, sobre o qual trato de fazer algumas observações.

O problema metafísico do orgulho, da hybris, que já os gregos advertiram e que foi um dos temas essenciais da teologia cristã, me parece que há sido quase integralmente desconhecido pelos filósofos não teólogos dos tempos modernos. Era este um terreno reservado aos moralistas. Mas desde o ponto de vista em que eu me situo é, ao contrário, uma questão essencial, e até quiçá a questão vital. Basta ver a identificação que Spinoza da da soberba na Ética (III, def. XXVIII) para comprovar até que ponto desconheceu o problema: O orgulho, diz, é uma opinião demasiado boa que o amor próprio nos dá de nós mesmos. Em realidade esta é uma definição da vaidade. O orgulho consiste em encontrar a força somente em si mesmo; separa aquele que o experimenta de uma certa comunhão com os seres, e ao mesmo tempo, tende a destruí-la; atua como um princípio de destruição.

Esta destruição, por outra parte, pode dirigir-se contra ele mesmo; e, de modo algum, o orgulho é incompatível com o ódio a si mesmo, inclusive pode levar ao suicidio [19]; e isto, me parece, é o que não advertiu Spinoza.

Neste ponto a que temos chegado ameaça surgir uma objeção geral muito grave.

No fundo, se me dirá, quiçá, o que vocês se vê levado a justificar ontologicamente não é uma espécie de quietismo moral que se satisfaz com a aceitação passiva, a resignação, a esperança inerte? Que tem que ver, nisto tudo, o homem, enquanto homem, enquanto ser que atua? Não é a mesma ação a que está condenada, na medida em que a ação implica uma confiança em si, se se a relaciona com o orgulho? A mesma ação não é, ao fim das contas, uma degradação?

Sinalizarei que esta objeção implica uma série de equívocos.

De entrada, a ideia de uma esperança inerte é, a meu modo de ver, contraditória. A esperança não é uma espécie de espera adormecida. É algo que subjaz na ação ou que o plana sobre ela, mas que certamente se degrada ou desaparece quando a ação mesma se extenua. A esperança aparece como a prolongação no desconhecido de uma atividade central, isto é, arraigada no ser. Por onde suas afinidades não são como o desejo senão como a vontade. A vontade, em efeito, implica também um rechaço a fazer um cálculo dos casos possíveis, ou, ao menos, uma parada em tal cálculo. Não poderia, então, definir-se a esperança como uma vontade que se aplica ao que não depende dela?

Temos a prova experimental desta conexão no fato de que nos homens mais santos é onde a esperança há alcançado seu mais alto grau; isto seria inconcebível se a esperança fosse um simples estão inconstante da alma. O que aqui há de falsificado tudo, como também nas partes mais altas da ética, é uma certa representação estóica da vontade concebida como rigidez, enquanto que, pelo contrário, é aberta entrega e criatividade.

Esta palavra criatividade [20] se nos apresenta pela primeira vez, e no entanto, é a palavra decisiva. Onde há criatividade não há, nem pode haver, degradação. E na medida em que a técnica é ou implica criatividade, de modo algum, é degradação. A degradação começa no momento em que a criatividade se repreende ou se hipnotiza sobre si, se contará sobre ela mesma. E nisto podemos advertir a fonte de certos equívocos que denuncie a propósito do recolhimento.

Grande é a tentação de confundir dois movimentos que nossas metáforas espaciais nos impedem opor claramente entre si: essa contração se desprende sobre si que os inseparáveis do orgulho, que até o simbolizam, não deveriam ser confundidos com a retirada humilde que convém ao recolhimento e mediante o qual eu recubro o contato com minhas bases ontológicas.

Cabe pensar que a mesma criatividade estética supõe essa retirada, esse recolhimento. A criatividade estética [21] o mesmo que a investigação científica, excluem em realidade o ato pelo qual o eu se centra, se concentra em foco a si mesmo, e este ato é ontologicamente pura negação.

Pode parecer que me aproximo aqui das teses bergsonianas até o ponto de coincidir com ela. No entanto, não creio que seja assim realmente. Os termos com que quase sempre se ha servido Bergson fazem pensar que para ele o essencial na criação é a inventiva, a inovação vital. Pois me pergunto se, ao concentrar a atenção com demasiada exclusividade sobre este aspectos da criação não se tende a perder de vista sua significação última, sua raíz no ser. É aqui onde inverteria a noção de fidelidade criadora [22], noção tanto mais difícil de amarrar e, sobretudo , de precisar conceitualmente quanto que encobre uma paradoxal insondável, quanto que está no centro mesmo do meta-problemático.

É importante observar que, em uma metafísica bergsoniana, parece difícil salvar a fidelidade porque corre sempre o risco de ser interpretada como uma rotina, como uma observância no sentido pejorativo da palavra, como uma salvaguarda mantida arbitrariamente contra o poder de renovação que é o espírito mesmo.

Me inclino a crer que neste desconhecimento dos valores da fidelidade há algo que vicia profundamente a noção de religião estática tal e como aparece na palavra As duas fontes [23]. E aqui uma meditação sobre a fidelidade criadora, da qual somente posso indicar alguns traços, poderia permitir uma pontualização indispensável.

A fidelidade é em realidade o contrário de um conformismo inerte; é o reconhecimento ativo de uma certa permanência não formal, a maneira de uma lei, senão ontológica. Neste sentido se refere sempre a uma presença [24] ou a algo que pode e deve manter-se em nós e ante nós como presença, mas que ipso facto pode perfeitamente ser esquecido, desconhecida, obstruída; e aqui vemos reaparecer de novo a sombra da traição que, em minha opinião, envolve todo nosso mundo humano como uma névoa sinistra.

Se dirá que falamos do que comumente se entende por fidelidade a um princípio? Fica por saber se não há aqui uma transposição ilegítima de uma fidelidade de outra ordem. A princípio, enquanto se reduz a uma afirmação abstrata, não pode exigir nada de mim, pois deve toda sua realidade ao ato pelo qual eu o sanciono ou o proclamo. A fidelidade a um princípio enquanto princípio é uma idolatria no sentido etimológico da palavra; pode ser para mim uma obrigação sagrada renegar de um princípio do qual se há retirado a vida, e ao qua sendo qual sinto que já não me adere: se continuo conformado segundo a minha conduta, é a mim mesmo – a mim mesmo enquanto presença – a quem traiu.

A fidelidade não tem nada de conformismo inerte já que implica uma luta ativa e contínua contra as forças que tendem em nós para a dispersão interior e para as escleroses da rotina. Me será dito: depois de tudo, não é senão uma espécie de conservação ativa; é o contrário de uma criação. Aqui é necessário, creio, penetrar muito mais fundo na natureza da fidelidade e da presença.

Se a presença não fosse mais que uma ideia em nós, cuja característica fosse ser somente ela mesma, tudo quanto poderíamos esperar, em efeito, seria necessário em nós ou ante nós esta ideia como se guarda uma fotografia na caixa sobre a lareira. Pois o próprio de uma presença enquanto presença é ser incircunscrita (sem limites); e aqui, uma vez mais, encontramos o meta-problemático. A presença é mistério na medida mesma em que é presença. Pois, a fidelidade é a presença ativamente perpetuada, é a renovação do bem estar da presença, de sua vontade, que consiste em ser uma misteriosa incitação a criar. Todavia, aqui a consideração da criatividade artística pode nos ser de grande ajuda, pois esta somente é concebível a partir de uma certa presença do mundo para o artista; presença no coração e na inteligência, presença no ser mesmo.

Portanto, se é possível uma fidelidade criadora é porque a fidelidade é ontológica em seu princípio, porque prolonga uma presença que corresponde a um certo poder do ser sobre nós; por isso mesmo multiplica e aprofunda, de uma certa maneira, quase insondável o eco desta presença no centro de nossa duração. Me parece que isto tem consequências em certo modo inesgotáveis, embora somente seja a respeito das relações entre os vivos e os mortos.

Convém insistir, todavia, mais nisto: uma presença a qual nos mantemos fiéis não é a imagem zelosamente preservada de um objeto desaparecido; a imagem, apesar de tudo, não é mais que um simulacro, metafisicamente é menos que o objeto, é uma redução dele. A presença ao contrário, é mais que o objeto, o desborda em todos os sentidos. Nos encontramos no umbral de um caminho a cujo término a morte [25] aparece como a prova da presença. Ponto essencial sobre a prova da presença. Ponto essencial sobre o qual convém concentrar agora nossa atenção.

Se dirá: Que estranha maneira de definir a morte! A morte é um fenômeno definido em termos biológicos. Não é uma prova.

Há que responder: ela é o que significa, e o que significa para um ser situado no nível espiritual mais elevado ao que possamos chegar. É evidente que quando me informa o periódico da morte de fulano, de um fulano que somente é para mim um homem, não é mais que um objeto de notificação; significa que posso taxar-lhe do número de pessoas as quais posso dirigir me para perguntar-lhes algo ou para informar-lhes de algo. Ocorre algo totalmente distinto com um ser que se me ha dado como presença.

Aqui depende de mim, da minha atitude interior, manter esta presença que poderia degradar-se em imagem.

Se replicou que se trata somente de uma tradução na linguagem insólita e inutilmente metafísica de um fato psicológico muito trivial. É evidente que depende de nós, em certa medida, que os mortos vivam ou não em nossa recordação. Pois essa é uma existência totalmente subjetiva.

Eu creio que, na realidade, se trata de algo muito distinto, de uma realidade infinitamente mais misteriosa. Quando se diz: depende de nós que nossos mortos vivam em nós, se alude uma vez mais a ideia como redução ou como imagem. Se admite que o objeto tenha desaparecido, contudo que subsiste nele um simulacro que está em nosso poder conservar, no sentido mais familiar do termo, igual que uma assistente conserve limpo um apartamento ou um mobiliário. Está muito claro que este cuidado não apresenta nenhum valor ontológico. Pois se a fidelidade é criadora, no sentido que tratei de defini-la, ocorre algo totalmente distinto. Uma presença é uma realidade, um certo influxo; depende de nós permanecer ou não permeáveis a este influxo, pois não, para dizer a verdade, suscitá-lo. A fidelidade criadora consiste em manter-se ativamente no estado de permeabilidade; e aqui vemos operar-se uma espécie de intercâmbio misterioso entre o ato livre e o dom pelo qual é correspondido.

Há que prever uma objeção inversa e simétrica com respeito a precedente. Se me dirá: está bem, acaba você de decorar com vocábulos metafísicos um lugar comum da psicologia, pois somente é para afirmar gratuitamente uma tese indemonstrada e que excede toda experiência possível; e isto é assim desde o momento em que você substituí o termo neutro e ambíguo de presença pelo de influxo, que é infinitamente mais comprometedor.

Para responder a essa objeção creio necessário referimos uma vez mais ao dito sobre o mistério e o recolhimento. Em efeito, somente o terreno meta-problemático pode acolher-se a noção de influxo. Se se a tomarmos em sua acepção objetiva, a de uma aportação de força, nos encontramos frente a uma tese não metafísica senão física, que seria própria, efetivamente, para despertar todas as impugnações. Quando digo que um ser me é dado como presença ou como ser (equivale ao mesmo, pois não há um ser para mim se não é uma presença), ele significa que não posso tratá-lo como se estivesse simplesmente posto ante mim; entre ele e eu se amarra uma relação que em certo sentido desborda a consciência que eu pudesse ter dele; tal ser não está somente ante mim, estas categorias ficam separadas, perdem seu sentido. A palavra influxo traduz, embora de uma maneira excessivamente espacial, demasiado física, a espécie de aportação interior, de aportação desde dentro, que se realiza desde o momento em que a presença é efetiva. Grande por certo, quase invencível, será a tentação de pensar que esta presença efetiva não pode ser mais que a presença de um objeto; pois, com ele voltamos a cair mais proximamente do mistério, no plano do problemático; e então se faz ouvir este protesto da fidelidade absoluta: ainda quando eu não possa nem tocar-te nem ver-te, eu sinto que tu estás comigo; seria negar-te o não estar seguro dele. Com-migo. Notemos aqui o valor matafísico desta palavra com, tão raramente reconhecido pelos filósofos, e que não corresponde nem a uma relação de exterioridade. Será essencial – estou obrigado a adotar aqui a palavra latina – que um coesse autêntico, isto é, que uma intimidade real, se preste a análises de uma reflexão crítica; pois, sabemos já que a outra reflexão, uma reflexão sobre essa mesma reflexão, e que se refere a uma intuição subjacente, confusa porém eficaz, cujo secreto magnetismo ela experimenta.

É preciso aludir – e com ele nos dispomos a passar a outra esfera – que o valor de tal intimidade, em particular não concerne às relações entre os vivos e os mortos, será tanto mais alta e irrecusável quanto mais claramente se situe esta relação em um mundo de disponibilidade espiritual, isto é, de pura caridade; e anoto de passo que uma dialética ascendente da fidelidade criadora corresponde a dialética da esperança a qual acabo de fazer alusão.

A noção de disponibilidade não é menos importante para nosso tema que a de presença; aludo que entre uma e outra existe um vínculo evidente.

É um fato de experiência irrecusável, contudo do qual é difícil dar uma tradução inteligível, que há certos seres que se nos revelam como presentes, isto é, como disponíveis quando sofremos, quando tememos necessidade de confiarmos a eles, e que há outro que não causam este sentimento e não obstante sua possível boa vontade. Se deve assinalar imediatamente que a distinção entre presença e não presença em nenhuma forma se reduz a oposição entre estar atento e estar distraído.

O ouvinte mais atento, o mais conscientizado, pode dar-me a impressão de não estar disponível; não me aponta nada, não pode realmente fazer-me um lugar em si mesmo, qualquer que sejam os serviços materiais com que possa me preencher. Em realidade há uma maneira de escutar que é uma maneira de dar; há outra maneira de escutar que é uma maneira de recusar, de recusar-se: o dom material, a ação visível, não é necessariamente um testemunho de presença. Não falamos de prova; aqui a palavra prova desentonaria. A presença é algo que se revela e irrecusavelmente em uma mirada, em um sorriso, em um assento, em um aperto de mãos [26].

Diria, para esclarecer tudo isto, que o ser disponível é aquele ser capaz de estar íntegro comigo quando eu o necessito; o ser indisponível, pelo contrário, é aquele que parece operar em meu favor uma espécie de atribuição momentânea no conjunto dos recursos dos que possa dispor. Para o primeiro eu sou uma presença, para o segundo um objeto. A presença implica uma reciprocidade que sem dúvida exclui toda relação de sujeito e objeto ou de sujeito a sujeito-objeto. E aqui uma análise concreta da indisponibilidade não é menos necessária que o da traição, a renegação ou a desesperação.

Na realidade, no coração da indisponibilidade encontraremos sempre uma certa alienação. Alguém solicita minha simpatia por um certo infortúnio que me expõe; compreendo o que me diz, reconheço de uma maneira abstrata que as gentes de que me falam merecem minha compaixão; discernir ali um caso ao que seria lógico e justo responder com simpatia, e a concedo, se se quer, contudo somente em ideia, pois em fim me vejo forçado a confessar-me que não sinto nada. Por outra parte lamento; esta contradição entre o que experimento de fato – é dizer, minha indiferença – e o que reconheço que deveria experimentar, me é penosa e me irrita, inclusive me diminui a meus próprios olhos. Pois é em vão. O que fica em mim é o sentimento bastante inconfessável de que, depois de tudo, se trata de gentes que não conheço; que se fosse necessário comover-se por todos os infortúnios humanos então a vida não seria possível, e que ademais não daria suprimento. Desde o momento em que penso, depois de tudo não é mais que o caso 75-627, tudo há terminado, já não se pode experimentar nada.

Contudo, a característica da alma presente ou disponível é, justamente, não pensar em casos; para ela não há casos.

E no entanto, está claro que no crescimento normal de uma pessoa, se dá uma espécie de assinatura cada vez mais precisa e como automática entre aquilo que lhe concerne e aquilo que não lhe concerne, entre aquilo do que é responsável e aquilo do que não é; cada um de nós se converte assim no centro de um espaço mental que se dispõe segundo zonas concêntricas de aderência e de interesse decrescentes. No fundo é como se cada um de nós segregasse uma comparação cada vez mais dura que o aprisiona; e a esclerose está ligada ao endurecimento das categorias segundo as quais nós representamos o mundo e o valoramos.

Felizmente, a cada um de nós pode ocorrer um encontro [27], que rompe os esquemas de toda esta topografia egocêntrica. Pessoalmente, posso compreender por experiência, que de um desconhecido chamado ao azar surja subitamente uma chamada irresistível para o ponto de perturbar todas as perspectivas habituais, exatamente como uma corrente de vento perturbava todos os planos escalonados de um decorado: o que pareceria próximo se tornaria infinitamente distante, e inversamente. São brechas que se fecham quase de imediato. Estas experiências nos deixam frequentemente, um gosto amargo, uma impressão de tristeza e quase de angústia. Não obstante as creio benéficas, pois nos mostram, como em um relâmpago, o que há de contingente e de acidental nas cristalizações mentais que fundamentam nosso sistema pessoal.

Pois, sobretudo, o fato da santidade de algumas pessoas está ali para demonstrar-nos que o que chamamos ordem normal não é, depois de tudo e desde um ponto de vista superior, desde o ponto de vista de uma alma arraigada no mistério ontológico, senão a subversão de uma ordem estabelecida. Neste sentido, a reflexão sobre a santidade com todos seus atributos concretos me parece apresentar um valor especulativo imenso: não faria falta pressionar-me demasiado para fazer-me dizer que a santidade é a verdadeira introdução a ontologia.

Aqui, uma vez mais, a confrontação com a alma indisponível arroja sobre nosso tema claridades decisivas.

Estar indisponível é, em certa maneira, estar não somente ocupado de si mesmo, senão aprisionado por um mesmo. Digo de certa maneira, pois o objeto imediato pode variar indefinidamente: estar ocupado de um mesmo, da própria fortuna, dos amores, e inclusive do próprio perfeicionamento interior. Daqui se poderia extrair a conclusão que estar ocupado de si, é muito menos que estar ocupado de certo objeto – aqui quais inespecificável – que estar de certa maneira que fica por definir [28].

Devemos reparar em que o contrário de estar ocupado de si não é o estar vazio ou indiferente. O que se opõe aqui é, de melhor modo, ser opaco ao ser transparente. Pois igualmente é necessário chegar a pensar esta mesma opacidade interior. Trata-se, creio, de uma espécie de obturação ou de fixação; e me pergunto se, generalizando muito e flexibilizando certos dados psicanalíticos, não deveria reconhecer-se que esta fixação, em uma zona ou em um registro determinado, é a fixação de uma falsa inquietude. Pois, o notável é que tal inquietude persiste no centro desta fixação, e ademais lhe dá esse caráter de tensão do que já disse algumas palavras a propósito da vontade degradada. Tudo permite pensar que esta inquietude indeterminada se confunde em realidade com a angústia da temporalidade, com a aspiração do homem não para, senão pela morte, que está no coração do pessimismo.

As raízes do pessimismo são as mesmas que as da indisponibilidade; se esta aumenta à medida que envelhecemos, é porque muitas vezes a angústia cresce em nós acercando-nos ao que consideramos um término, para proteger-se dela mesma, esta angústia deve pôr em ação um aparato de defesa cada vez mais pesado, cada vez mais minucioso, e também aludir, cada vez mais vulnerável. A incapacidade para a esperança se faz cada dia mais completa à medida que o ser está mais motivado em sua experiência e na prisão das categorias na qual esta experiência o amargura, a medida que ele se entrega mais integralmente, mais desesperadamente, ao mundo do problemático.

E aqui se reúnem como em um haz os principais motivos ou elementos temáticos que me hei visto forçado a apresentar em forma sucessiva. A pessoa mais disponível é a mais consagrada, a mais interiormente dedicada: está protegida contra o desespero e contra o suicidio, que se assemelham e se comunicam, porque sabe que sua existência não a deve a si mesma, e que o único uso totalmente legítimo que pode fazer de sua liberdade consiste precisamente em reconhecer que não se pertence.

Somente a partir deste reconhecimento pode atuar, pode criar…

Não se pode dissimular nem por um instante, as dificuldades de toda ordem com que tropeça uma filosofia deste tipo. Tal filosofia se encontra inevitavelmente ante uma alternativa inquietante: ou bem tratará de resolver essas dificuldades, de dar-lhes solução, e cairá então de seus princípios vitais e, acrescentaria, de uma teodiceia sacrílega; ou bem, simplesmente deixará subsistir tais dificuldades colocando-lhes a etiqueta de mistérios.

Entre estes dois escolhos creio que existe uma via média, um caminho estreito, difícil, perigoso. É o que hei tratado não de traçar, senão de encontrar. Pois aqui somente se pode proceder pelas chamadas, como Karl Jaspers em sua Filosofia da Existência: se, como tive ocasião de comprovar, algumas consciências respondem, não a consciência em geral, senão este ser, aquele ser, então é que existe verdadeiramente um caminho. Pois – creio que Platão o viu com uma nitidez incomparável – esse caminho somente pode descobrir-se pelo amor, somente para ele se faz visível; e aqui aparece um caráter, mais profundo quiçá que todos os outros, dessa realidade meta-problemática da que tentei explorar certas regiões.

Outra gravíssima objeção há que mencionar finalmente. Se me dirá: Em realidade, tudo quando você disse implica uma referência – inconfessada, informulada ademais -, aos dados cristãos, e somente a sua luz se esclarece positivamente. Assim compreendemos o que você entende pela presença quando evocamos a Eucaristia, pela fidelidade criadora quando pensamos na igreja. Pois então qual será o valor de tal filosofia para consciências não cristãs, isto é, que ignoravam o cristianismo, ou, em todo caso, se declaram incapazes de aderir-se a ele?

Minha resposta será a seguinte: é muito possível que a existência dos dados cristãos fundamentais seja necessária de fato para permitir ao espírito conceber algumas das noções cuja análise hei esboçado: porém não se pode dizer que estas noções estejam sobre a dependência da revelação cristã. Não a supõem.

Por outra parte, se se chega a declarar que a razão deve proceder fazendo inteira abstração de tudo o que não se dá universalmente a um ser pensante qualquer que seja, eu direi que nisso há uma pretensão abusiva e em último extremo uma fantasia.

O filósofo, hoje como em qualquer época, se encontra em uma certa situação histórica da que é muito pouco verossímil que possa abstrair-se realmente: somente sendo vítima de uma ficção se imagina que pode fazer o vazio em si e em torno de si. Pois, esta situação implica, como um de seus dados essenciais, à existência do fato cristão com tudo o que este implica, e isto já seja que um se adere ou não a religião cristã, ou que considere como verdadeiras ou como falsas as afirmações cristãs centrais. O que está claro para mim é que não podemos pensar como se antes de nós não houvesse havido séculos de cristianismo, o mesmo que, na ordem da teoria do conhecimento, não podemos pensar como se antes não houvesse séculos de ciência positiva. Somente que a existência do dado cristão, como a existência da ciências positiva, não julgam aqui mais que o papel de um princípio fecundante. Favorece em nós a eclosão de certos pensamentos aos quais de fato não havíamos chegado quiçá sem ela. Esta fecundação pode efetuar-se no que eu chamaria de zonas peri-cristãs, e, pessoalmente, encontro a prova dele no fato de que se produziu em mim mesmo quase vinto antes de que eu tivesse a mais distante ideia de converterem ao catolicismo [29].

Por outra parte, tenho que fazer notar – e esta vez me dirijo sobretudo aos católicos – que desde meu ponto de vista, a distinção entre o natural e o sobrenatural deve ser mantida rigorosamente. Se dirá que o emprego da palavra mistério corre o risco de criar aqui um equívoco e favorecer a unificação que eu rechaço? Responderei que para mim não existe o problema de confundir os mistérios envoltos na experiência humana enquanto tal – o conhecimento, o amor, por exemplo – com os mistérios revelados com a Encarnação ou a Redenção; a estes mistérios nenhum esforço de um pensamento que reflexione sobre a experiência nos permite nos elevar.

Se me objetará: nesse caso, por que usar a mesma palavra em duas acepções tão distintas? Contudo observei aqui que uma relevação, qualquer que seja, tampouco é pensável senão enquanto se dirige a um ser comprometido no sentido que hei tratado de definir, isto é, que participa em uma realidade não problematizada e que o eleva enquanto sujeito. A vida sobrenatural deve encontrar manuseio, pontos de inserção, na vida natural. E, de modo algum, isto significa que seja o resultado da vida natural.

Tudo o contrário. Me parece que se aprofunda na noção da natureza criada, fundamental para um cristão, nos vemos levados a reconhecer no fundo da natureza, uma razão que lhe está ordenada, um princípio de radical inadequação a si mesma que é como a ansiosa antecipação de uma ordem indiferente.

Para resumir minha posição sobre este ponto particularmente importante e difícil, direi que o reconhecimento do mistério ontológico, onde eu vejo o reduto central da metafísica, sem dúvida somente é possível de fato graças a uma espécie de irradiação fecundante da revelação mesma, que pode produzir-se perfeitamente no centro de almas alheias e qualquer religião positiva; que este reconhecimento que se efetua através de certas modalidades superiores da experiência humana, não implica, de modo algum, a adesão a uma religião determinada, pois permite, no entanto, a quem se há elevado até ele, entrever a possibilidade de uma revelação de um modo muito diferente a como poderia fazê-lo quem, não havendo rebaixado os limites do problematizados, se faz mais próximo do ponto em que o mistério do ser pode ser advertido e proclamado. Tal filosofia se lança assim, com um movimento irresistível, ao encontro de uma luz que pressente e da qual experimenta no fundo de si mesma como um secreto estímulo e um ardente presságio.

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NOTAS:
[01] Toda filosofia de Gabriel Marcel podemos definir como um esforço metodológico por aceder ao Mistério Ontológico.
[02] O Diário Metafísico (1914-1923), compreende uma série de pensamentos dispersos que surgem quase espontaneamente e sem desenvolvimento sistemático, entre os anos de 1914 e 1923. Foi publicado em Paris no ano de 1927. Depois escreve MARCEL um segundo Diário Metafísico entre os anos 1928 e 1933, e aparece publicado (em 1935) sobre o título de “Être et Avoir. Move a confusão o título de Diário Metafísico publicado pela editorial Guadarrama (1969) quando, em realidade, essa tradução corresponde a obra intitulada por G. MARCEL Ser e Ter. Para evitar erros, seria aconselhável aludir sempre (1914-1923) ou (1928-1933), segundo o Diário Metafísico de que se trate. Por outra parte, a obra Présence et Immortalité é o terceiro diário metafísico escrito por G. MARCEL entre os anos de 1938 e 1943 (publicado em 1959).
[03] G. MARCEL emprega aqui a mesma expressão que põe na boca de Christiane, a protagonista de Le monde cassé, quando sente desmoronar-se a sua vida: vivemos… em um mundo quebrado (partido) … como um relógio.
[04] Despertar é, segundo G. MARCEL, tudo o contrário a fazer a experiência da esperança. A esperança, em efeito, será aquele ato pelo qual fica superada e vencida a tentação de desesperar.
[05] A palavra apropriação está carregada de pleno sentido metodológico. O Ser para G. MARCEL não é um mero conceito ou uma mera ideia. É, pelo contrário, o mais concreto e o mais cheio de vida que existe.
[06] Segundo G. MARCEL o homem pode unir-se ao real através de diferentes experiências de participação. Resumindo muito sua postura, podemos distinguir em sua obra até três níveis distintos de participação. Em um primeiro momento o homem se vincula ao real através dos sentidos: é o nível da encarnação (o homem é espírito encarnado) concretada na experiência de meu corpo. Outra maneira, superior a encarnação, de unir-se o homem a realidade série o que ele chama a comunhão com os demais seres (a intersubjetividade). Contudo, todavia, pode o homem, em um terceiro nível, aproximar-se mais da realidade, e é através da experiência da transcendência. É, em definitivo, a participação no nível de ser. É a experiência metafísica, sumo grau da montagem de conjunto do real. Aqui desaparece a divisão dualista cristã de alma e corpo, para confundir-se em uma única substância: o ser pessoal.
[07] A distinção que estabelece G. MARCEL entre problema e mistério é a nosso juízo, uma das ideias mais geniais e mais fecundas de toda a Filosofia do século XX.
[08] Por reflexão segunda o homem descobre o fundamento dos juízos verdadeiros. A segunda reflexão é o nervo do esforço filosófico. Ela permitiu a G. MARCEL revelar o ser implicado no eu, o amor implicado na liberdade.
[09] Se desejarmos estar com alguém que amas não estás já ao seu lado? Podem os quilômetros separar a duas pessoas que se amam? Estes exemplos nos mostram, em efeito, que o em mim e o diante de mim perde sentido ao mover-nos no âmbito do amor.
[10] Por amor, e entranhado no centro da fidelidade, escapa o homem a solidão e ao desespero e penetra no mistério da esperança.
[11] Há que transcender o esquema tradicional potência-ato, para poder compreender este estado de ânimo que chamamos recolhimento. G. MARCEL fala em outro momento de sua obra, que um dos mais maiores que inquietam a humanidade contemporânea é que a perdido o sentido do recolhimento.
[12] Trata-se aqui de uma distância em chave metodológica: me distancio depois de poder ganhar presença. No recolhimento tomo distância de minha vida, para depois encontrar-me a mim mesmo.
[13] Veja-se a nota 08.
[14] O desespero (desesperismo) está sempre à nossa porta. Pode surgir de golpe. G. MARCEL alude, em outro momento de sua obra, as possibilidades de desespero que nos rodeiam por todas as partes e brotam a nosso passo, comparando-as a uma vegetação luxuosa e maléfica.
[15] Não podem ser mais taxativas estas palavras. Quando G. MARCEL quer esclarecer um tema que coloca alguns personagens a caminhar pelo drama da vida. Filosofia in concreto.
[16] O homem sempre tem a seu alcance a tentação de degradar o mistério em problema. Trata-se de uma redução, um reducionismo, fácil de consequências catastróficas.
[17] “Eu não assisto o espetáculo” aponta no segundo Diário Metafísico (1928-1933), dando a entender que há que comprometer-se com a realidade.
[18] SAINT-EXUPÉRY dizia que não há mais que um problema no mundo: dar aos homens um sentido espiritual, uma inquietude espiritual. Não se pode viver de técnicas. Não se pode viver sem poesia, sem cor, sem amor. Trabalhando unicamente para os livros materiais da técnicas, estamos construindo nossa própria prisão.
[19] Uma forma isolada de suicidio é a de matar o tempo, como fazem por exemplo Vladimir e Estragon, protagonistas da obra Esperando a Godot de SAMUEL BECKETT; sem dúvida, precursores do fenômeno atual passotismo (passividade).
[20] Traduzimos aqui a palavra création (criação) por creatividad (criatividade), porque, a nosso entender, é mais apropriada que a palavra castelhana creación (criação), pelo que está implica de necessidade. Desde o momento em que há criação (criatividade), seja do grau que seja, estamos no Ser. O sublinhado é meu.
[21] G. MARCEL é um pensador experimental, contudo não empirista. Sua filosofia não se baseia em meros fatos, senão em acontecimentos criadores. Por isso se refere aqui às mais altas cotas de criatividade artística e estética.
[22] Pela primeira vez aparece este matiz de criadora aplicado à fidelidade. Em rigor, não há fidelidade senão uma pessoa. Não a uma ideia ou a um ideal. A fidelidade criadora consiste em manter-se ativamente em estado de permeabilidade para essa pessoa.
[23] BERGSON: As duas fontes da moral e da religião.
[24] Para fazer ver a diferença que separa o objeto e a presença, MARCEL cita exemplos da experiência cotidiana. Hei aqui um texto de sua obra O Mistério do Ser que nos parece sumamente clarificador a este respeito: Suponhamos que há alguém no quarto onde estamos. Posso mirar-lhe com atenção, falar-lhe, tocar-lhe e, no entanto, não resulta infinitamente mais distante que um ser querido que se encontra a mil léguas de distância ou que nem sequer pertence a este mundo. O que o homem que temos ao lado carece de presença…
[25] O problema da morte se esfuma ante o mistério. A meditação sobre a morte pode chegar a ser uma meditação sobre a vida.
[26] A presença, em definitivo, se patenteia de maneira luminosa no ser disponível.
[27] Nada está perdido para um homem que vive um grande amor ou uma verdadeira amizade; pois tudo está perdido para o que está só. Carta de G. MARCEL a ROGER TROIS FONTAINES.
[28] Estar disponível, pois, é mais uma atitude interior que uma ação objetivável.
[29] Aduz aqui G. MARCEL sua própria experiência de conversão ao catolicismo quando contava já com 40 anos de idade. Em 5 de março de 1929 escreve: Se acabarão as dúvidas. Pela primeira vez hei experimentado claramente o que é a graça (…). Segundo Diário Metafísico (1928-1933). 

Gabriel Marcel - Aproximação ao Mistério do Ser - Posição e Convergência Concreta ao Mistério Ontológico [Trad. Prof. Isaías Klipp]

Professor | Pesquisador
Fundador do projeto Proscênio Filosófico (2017). É Tradutor de textos filosóficos. Bacharel (2020) e licenciando em Filosofia (2022) pela Universidade de Caxias do Sul, UCS.
isaías klipp
Professor | Pesquisador
Licenciado em Filosofia (2021). É pesquisador na filosofia e obra de Vilém Flusser. Pesquisador voluntário junto ao CNPq, no Observatório de Educação da Universidade de Caxias do Sul, UCS.
luan moraes
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