A primeira atitude filosófica foi resolutamente metafísica. Os remotos pensadores de Jonia dedicaram-se a uma ousada investigação ontológica conduzida com silêncio e total confiança na capacidade da razão. Se optarmos por ignorar as concepções míticas do animismo e outras similares, podemos imaginar o primeiro comportamento cognitivo diante da realidade como uma admissão, tal como N. Hartmann sugere, do mundo imediatamente presente, um mundo de entidades tangíveis; uma afirmação tácita de que as coisas como são percebidas constituem a realidade. A superação desta posição, e com ela o início histórico da filosofia ocidental, vem com a crítica da experiência à luz da razão, com a verificação, que deve ter parecido surpreendente na época, de que a visão imediata e direta da realidade, por mais convincente que possa parecer à primeira vista, não satisfaz assim que a análise racional, a crítica e a reflexão aguda sobre ela funcionam. Devemos encontrar, portanto, a verdadeira realidade sem censura. E a razão aplica-se a esta tarefa, sem suspeitar durante muito tempo que ela, tal como os sentidos, pode ter leis e exigências próprias, estranhas à estrutura íntima e ao comportamento da realidade. A fé primitiva nos sentidos é sucedida por uma fé não menos dogmática na razão.
A sólida fé na razão das primeiras filosofias é quebrada ou relativizada de maneiras diferentes e em etapas distintas. Destaquemos alguns desses contratempos da crença racionalista.
Já importa uma considerável atenuação da fé na razão o fato de que, mesmo aceitando-a antecipadamente, se julgue indispensável justificá-la, fundamentá-la: assim ocorre, por exemplo, com um racionalista tão convicto como Descartes. Mais grave, sem dúvida, é a impugnação cética, tão sutil e engenhosa entre os gregos, mestres não superados no uso do instrumento racional e que nos maravilham tanto quando o empregam dogmaticamente em formulações entitativas como ao revelar seus limites, falhas e incongruências. Frente ao ceticismo antigo, límpido e ágil, o moderno produz uma impressão um tanto penosa de pesadez e torpeza; mas não nos apressemos a deduzir daqui um juízo comparativo desfavorável. Porque o ceticismo moderno, exceto em algumas de suas expressões renascentistas, não se contenta com o trabalho destruidor do antigo, mas logo se põe à obra positiva de explicar e organizar filosoficamente o saber da experiência; enquanto o ceticismo antigo estava principalmente interessado no momento negativo e nele costumava permanecer, o moderno se converte em empirismo, avança associando à tese da ineficácia metafísica da razão uma teoria afirmativa sobre o funcionamento da razão no manuseio, coordenação, sistematização etc., dos dados experimentais por meio de operações relacionais, indutivas, generalizadoras etc., plenamente racionais todas, embora se entenda que não vão além do plano fenomênico. Em graus diversos e com intenções distintas, racionalismo e empirismo atribuem grande papel à razão; a discrepância consiste em que, enquanto o racionalismo concede à razão o dom de apreender o em si, o empirismo sente que não pode ir além de forjar recapitulações e elaborar extratos de experiências. O caráter diferencial do ceticismo moderno em relação ao antigo, a positividade do empirismo contraposta à negatividade do velho ceticismo dialético, sugere considerações talvez interessantes, que darão matéria para outro artigo. É nada menos do que um dos sintomas ou consequências da valorização do fenômeno, da experiência imediata e mesmo de qualquer tipo de experiência, valorização cujo incremento é um dos traços do progresso em filosofia e da subsequente ampliação da consciência filosófica.
A metafísica começa com a preocupação de encontrar uma definição da substância original em termos que satisfaçam as demandas da razão; nasce com a constatação da inconsistência do saber imediato fornecido pela experiência comum, diante da reflexão, diante do exame racional, e é natural, portanto, que postule instâncias substanciais justificáveis perante o tribunal da razão. Com Parmênides, foi alcançado um dos mais altos níveis alcançáveis para a inteligência humana. Mas dentro de sua própria concepção genial, o racionalismo já sofria, junto com o que foi provavelmente seu maior triunfo, também sua grande derrota. Porque essa perfeita intuição parmenídea da realidade substancial de modo algum permite a transição ao fenômeno, a derivação a partir dela do orbe da experiência. Uma metafísica incapaz de dar conta do fenômeno é uma metafísica truncada ou fracassada, porque o fenômeno é fenômeno da realidade em si, uma especial manifestação dela, e não um mundo autônomo. Uma metafísica negligente em conectar de modo plausível a realidade em si à experiencial, que deixe esta última em suspenso, corre seguramente o risco de necessitar de outra metafísica suplementar que leve em consideração a natureza do fenômeno e a relacione a algo extra-empírico. Quando se descuida propor um elo legítimo entre ambos os ordens — e mais, naturalmente, quando a índole da tese metafísica impede encontrar tal vínculo —, fica entreaberta a porta para que por ela se deslizem demiurgos e outros entes do estilo, mais próprios da imaginação oriental que do parcimonioso pensamento ocidental.
A propósito dessas considerações, é instrutiva a confrontação entre Parmênides e Demócrito. Parmênides negava o movimento, e seu discípulo Zenão explicitou o ponto de vista do mestre através de argumentações polêmicas que nunca foram seriamente refutadas. E de fato, para um racionalismo tão extremado como o parmenídeo, o movimento é inconcebível. Comparada com esta metafísica, produto da ratio (razão) entregue a si mesma e desenvolvendo seu jogo sem restrições, a de Demócrito é quase uma capitulação. Não apenas ele admite o movimento, condenado sem perdão pelo Eleatismo, mas também introduz a noção contraditória de algo real mas indivisível. E, no entanto, a grandeza de Demócrito corre lado a lado com a de Parmênides. Pela primeira vez, ele ensaiou uma explicação coerente e unitária do mundo dado, do conhecimento e do absoluto. Sua interpretação da realidade última está rigorosamente condicionada pela necessidade de deduzir dela o mundo da experiência imediata. E o que sem dúvida se perde pelo lado da perfeita racionalidade do em si, é ganho pelo outro lado da coordenação do fenômeno com a trama ontológica da realidade. A partir deste momento, parece formalizar-se um duelo entre a razão e a realidade.
O registro dos episódios dessa vasta contraposição, a elucidação de seu significado, reveste um interesse notável, e seria um equívoco pensar que este interesse é unicamente histórico. Oferece também, e talvez principalmente, um interesse teórico atual e até metodológico. A história da filosofia, especialmente a da metafísica, importa como a série memorável de esforços direcionados à compreensão da intimidade oculta das coisas. Mas a história da metafísica reveste além disso outra significação mais precisa. É um dos poucos caminhos para uma compreensão completa da razão, de seus desiderata, das correções que sucessivamente lhe são impostas, de suas possibilidades, de sua estrutura, de suas limitações. Após os vislumbres céticos, Kant oferece pela primeira vez uma grande e profunda teoria da razão. Mas esta teoria, mais do que o propósito de interpretar livremente os dados do problema, revela a intenção de extrair todas as consequências de alguns princípios estabelecidos de antemão, e apresenta mais de um segmento frágil e outros resolutamente inaceitáveis. Mais de uma vez surgem na Crítica da Razão Pura implicações realistas que o autor, prisioneiro de seus próprios pressupostos, não conseguiu ou não quis ver. Uma teoria que abarque a razão com um ânimo mais desprevenido que o Kantiano só poderá ir organizando seus materiais mediante um exame cuidadoso do trabalho racional, exame no qual devem ser levados em conta a lógica e a matemática, mas principalmente a história das metafísicas racionalistas, provavelmente o terreno onde a razão se exercitou de maneira mais livre e variada, descobrindo seus fins e recursos. Em nossa opinião, portanto, a história da metafísica assume diretamente um papel metodológico para o estudo da razão. Mas não é apenas isso. Esse uso metodológico se estende depois à própria ontologia, porque somente através das claridades obtidas sobre a natureza e o funcionamento da razão será possível uma ontologia mais estável do que as habituais, as quais costumavam se limitar mais aos requisitos e leis internas da razão do que a qualquer outra coisa